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Uso prático de opióides para analgesia de cães e gatos


Publicado em: 20/07/2009 09:07 | Categoria: Geral

 

Artigo

Introdução

Os opióides, na Medicina Veterinária, ainda são subutilizados. Isto se deve ao fato da difícil compra destas drogas pelos profissionais liberais associado ao desconhecimento, ao medo de utilização e até mesmo de resistência à inovação.

Esta classe de fármacos é extremamente útil na prevenção e controle da dor, seja esta de qualquer origem. Obviamente seu emprego deve ser com cautela e após minuciosa avaliação do Médico Veterinário, o qual deve lançar mão dos narcóticos somente nos casos em que seu uso seja justificável e permitido pelo estado de saúde geral do paciente.

Os opióides são drogas que possuem relativa segurança, uma vez que pouco interferem na fisiologia do sistema cardiovascular. Porém, podem provocar efeitos de variados graus na respiração do animal, ocasionando uma depressão respiratória dose-dependente.

Outros efeitos adversos incluem êmese (principalmente com o uso da Morfina) e liberação histamínica com conseqüentes reações adversas imunológicas e alérgicas (p. ex. prurido).

Nos parágrafos seguintes será descrito o mecanismo de ação desta classe de medicamentos e as principais drogas opióides utilizadas na rotina clínica e cirúrgica de pequenos animais.

Mecanismo de Ação

Cada opióide produz efeitos diversos conforme o grau de afinidade pelos diferentes subtipos de receptores opiáceos. Neste momento, é importante ressaltar que os receptores para opióides localizam-se em regiões específicas do organismo (Sistema Nervoso Central e articulações, principalmente) sendo a maior parte destes encontrados na medula espinhal.

Há quatro tipos básicos de receptores opióides: ? (mi), ? (kappa), ? (sigma) e ? (delta), sendo que todos possuem subtipos. Ainda é descrito o receptor ? (epsilon), o qual aparentemente possui afinidade pelos peptídeos endógenos (endorfinas). Cada receptor, quando ativado, produz efeitos farmacológicos específicos (Tabela 1).

TABELA 1 ? Efeitos nos receptores opióides

Receptor

Efeitos

Agonistas

Antagonistas

? (mi)

Analgesia supra-espinhal, depressão respiratória, euforia e dependência química.

- morfina ( )
- fentanil ( )

- meperidina ( )

- buprenorfina ( )

- tramadol ( )

- nalaxona ( )

- butorfanol ( )

 

? (kappa)

Analgesia medular, miose e sedação.

- morfina ( )
- butorfanol ( )
- meperidina ( )
- fentanil ( )
- tramadol ( )

- nalaxona ( )
- buprenorfina ( )

? (sigma)

Disforia, alucinações e estimulação.

- morfina ( )

- meperidina ( )

- nalaxona ( )

? (delta)

Alterações de comportamento afetivo (?).

- morfina ( )
- fentanil ( )

- meperidina ( )

 

? (epsilon)

Analgesia.

- ?-endorfina e ?-endorfina

 

Afinidade pelo receptor: ( ) discreta, ( ) moderada,  ( ) grande. (?): efeito duvidoso.

Adaptado e modificado de GÓRNIAK, S.L., 2002.

Conforme a ação nos diferentes receptores, os opiódes são classificados como agonistas (p.ex. morfina, meperidina, etc.), antagonistas (p.ex. nalaxona) e agonistas-antagonista (p.ex. butorfanol e buprenorfina). Os últimos são assim chamados pelo fato de possuírem ações agonistas em alguns receptores e antagonistas em outros.

Os opióides atuam na maioria das células nervosas promovendo hiperpolarização, inibição da deflagação do potencial de ação e inibição pré-sináptica da liberação de neurotransmissores. A ativação do receptor opióide causa a inibição da atividade da enzima adenil-ciclase.

Morfina

É o fármaco modelo desta classe, o qual todos os outros são comparados, principalmente com relação à potência. É um opióide agonista, com ação principal nos receptores ? e ?. Seu período de ação varia de 4 a 6 horas pelas vias parenterais e de 6 a 24 horas pela via epidural.

Usos Clínicos: no tratamento da dor aguda e profunda, na medicação pré-anestésica e na analgesia trans e pós-operatória. É utilizada em conjunto com anestésicos locais na anestesia epidural e nos bloqueios peri/retro-bulbares. Pode ser empregada como antitussígeno.

Efeitos Adversos: hiperexcitabilidade em doses elevadas, euforia, hipotensão, depressão respiratória, prurido, estase urinária. Por aplicação IV pode provocar liberação histamínica acentuada. Em gatos, principalmente, pode causar constipação.

Doses
Cães ? 0,5 a 1 mg/Kg, IM ou 0,05 a 0,4 mg/Kg IV
Gatos - 0,05 a 0,2 mg/Kg IM

Meperidina (Petidina):

É um opióide sintético que possui cerca de 20 a 30% da potência da morfina. É uma agonista ? e ? com  ação de, aproximadamente, 2 a 4 horas.

Usos Clínicos: Tratamento da dor aguda e profunda, na medicação pré-anestésica e na analgesia pós-operatória.

Efeitos Adversos: muito semelhantes aos da morfina. Não se recomenda seu uso IV em cães devido à alta liberação histamínica.

Doses:
Cães ? 5 a 10 mg/Kg IM
Gatos ? 1 a 4 mg/Kg IM.

Buprenorfina:

É um opióide agonista parcial dos receptores ?, porém com afinidade por este 50 vezes maior que a morfina. Por esta característica, é resistente ao antagonismo pela nalaxona. Sua potência analgésica é 30 vezes maior que a da morfina, e seu período de ação é longo, entre 6 a 12 horas. Estudos comprovam sua alta eficiência para felinos.

Usos Clínicos: na medicação pré-anestésica, especialmente em felinos, e como potente analgésico pós-operatório.

Efeitos Adversos: depressão respiratória (porém menor que a causada pela morfina). Os transtornos gastrointestinais também são menores.

Doses:
Cães ? 0,005 a 0,02 mg/Kg IM ou IV
Gatos ? 0,005 a 0,01 mg/Kg IM ou IV.

Fentanil:

Outro opióide sintético muito potente, cerca de 75 a 125 vezes mais forte que a morfina. Porém, possui um curto período de ação, aproximadamente 30 minutos. È um agonista  ?.

Usos Clínicos: na indução anestésica, para analgesia trans-operatória, como parte analgésica da anestesia intravenosa total e para analgesia pós-operatória (apresentação em ?patch?)

Efeitos Adversos: é comum depressão respiratória , bradicardia, sialorréia e hipotensão.

Doses:
Cães ? 0,04 a 0,08 mg/Kg IM ou IV
Gatos ? 0,02 a 0,03 mg/Kg IM ou IV.

Tramadol:

É um opióide considerado atípico por, além de atuar nos receptores opiáceos, interferir na síntese neuronal de norepinefrina e serotonina. É classificado como agonista  ?. Sua potência analgésica é 5 a 10 vezes menor que a da morfina. Ainda há poucos estudos de uso veterinário. Seu efeito perdura por 6 a 8 horas.

Usos Clínicos: vem sendo utilizado no controle da dor pós-operatória com resultados não confirmados em cães e gatos. Em humanos seu uso é consagrado, principalmente em cirurgias torácicas.

Efeitos Adversos: em humanos são pouco freqüentes, mas náuseas, vômitos, ataxia e sonolência são comuns. Não provoca depressão do sistema respiratório, nem constipação ou efeitos cardiovasculares graves.

Doses:
Cães ? 2 a 4 mg/Kg IM, IV ou VO
Gatos  ? 2 a 4 mg/Kg IM, IV ou VO

Butorfanol:

Um fármaco considerado agonista-antagonista, uma vez que possui alta afinidade por receptores ?, mas ao se ligar, não os ativa. Possui moderada ativação nos receptores ? e ?. Sua potência é de 4 a 7 vezes maior que a da morfina e seu período de ação é de, aproximadamente, 4 a 6 horas.

Usos Clínicos: na medicação pré-anestésica (sedativo) e como analgésico na dor aguda. Pode ter seu uso como antitussígeno.

Efeitos Adversos: Aumenta a atividade motora, ataxia e, nos casos em que não se preconiza, sedação.

Doses:
Cães - 0,2 a 0,8 mg/Kg IM ou IV
Gatos ? 0,2 a 1 mg/Kg IM ou IV

 

Conclusão

Os opióides são extremamente úteis para vários procedimentos realizados na rotina clínica e cirúrgica de pequenos animais. O aumento do uso desta classe de medicamentos depende de uma maior facilidade no acesso, uma vez que são drogas controladas, e estudo por parte dos profissionais.

O uso correto está associado à correta escolha do fármaco para cada situação específica e grau de analgesia requerido, levando em conta a potência, a latência e o tempo de ação de cada opióide, bem como seus principais efeitos adversos.

 

Autor:

Helber Parchen, médico veterinário residente de Anestesiologia do Hospital Veterinário da UFPR.


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