1. Home
  2. Artigos
  3. Geral
Geral

Entretenimento para animais em cativeiro


Publicado em: 20/07/2009 09:37 | Categoria: Geral

 

Artigo

Já há algum tempo, instituições que mantêm animais silvestres em cativeiro deixaram de ter como finalidade única o entretenimento do público e passaram também a exercer um importante papel na educação da população e na pesquisa. Um exemplo disso vem ocorrendo no Zoológico do Rio de Janeiro - Fundação RIOZOO, que em conjunto com pesquisadores do programa de Pós-Graduação em Biologia e Comportamento Animal da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) têm estudado o comportamento de pequenos felinos brasileiros.

A Família Felidae está dividida em 36 espécies, das quais oito ocorrem naturalmente no território brasileiro: gato-do-mato-pequeno (Leopardus tigrinus), gato-maracajá (Leopardus wiedii), jaguatirica (Leopardus pardalis), gato-mourisco ou jaguarundi (Puma yagouarondi), gato-palheiro (Oncifelis colocolo), gato-do-mato-grande (Leopardus geoffroyi), suçuarana (Puma concolor) e a onça-pintada (Panthera onca).

O sistema territorial, bem como o comportamento geral, dessas espécies não é bem conhecido, entretanto é provável que seja similar ao descrito para felinos de outras regiões do mundo. Em geral, mostram hábito noturno com exceção do Jaguarundi, cuja atividade é diurna (ver “Pequenos Felinos Brasileiros: Desconhecidos e Ameaçados” em CH n0 170). Algumas dessas espécies estão severamente ameaçadas de extinção devido a destruição de seu habitat, caça predatória e comércio ilegal. Esta destruição ou a fragmentação do habitat para o desenvolvimento da agricultura, criação de gado, exploração mineral e assentamentos humanos são as principais causas do declínio dessas populações.

Apesar da relativa adaptação ao ambiente cativo e do sucesso obtido atualmente na reprodução de algumas espécies, muitos problemas são observados em sua manutenção. Grande parte desses animais encontram-se em ambientes exíguos e/ou pouco estimuladores o que os induz ao tédio, bem como, a uma redução de seu bem-estar. Ainda, outros problemas freqüentemente observados são: nutrição inapropriada, manejo reprodutivo inadequado, bem como perda de diversidade genética.

Preocupados com essa situação, pesquisadores do RIOZOO e da UFJF têm estudado o comportamento desses animais junto ao Centro de Reprodução de Pequenos Felinos Neotropicais no Zoológico do Rio de Janeiro, que abriga 14 indivíduos de três espécies (gato-do-mato-pequeno, gato-maracajá, gato-do-mato-grande). As informações obtidas, neste estudo, além de serem importantes para um melhor conhecimento dessas espécies, geram dados científicos para a elaboração de estratégias de conservação e planos de manejo em cativeiro.

Um dos primeiros resultados obtidos pelo grupo foi o Orçamento de Atividade, que é definido como a quantificação do tempo que esses animais gastam em funções importantes para a sua sobrevivência (ver gráfico).

De acordo com estes trabalhos os pequenos felinos apresentam uma alta taxa de inatividade quando comparados com indivíduos em vida livre. O comportamento denominado ‘Descanso’ foi o mais freqüente em cativeiro, correspondendo a 73% do tempo total. Porém, um resultado animador é que esses animais descansam mais durante o dia que a noite, mantendo o mesmo padrão de atividade dos animais na natureza.

O segundo comportamento mais observado foi ‘Locomoção’, que correspondeu a 15% do tempo total. Em ambiente natural, felinos percorrem grandes distâncias em busca de alimentação, locais de abrigo e parceiros sexuais. Já em cativeiro, a locomoção pode também estar correlacionada ao aumento na taxa de comportamento estereotipado, com deslocamento repetitivo e permanente. Esta estereotipia é definida como um padrão motor repetitivo (relativamente invariável na sua forma), e sem objetivo aparente, cuja presença pode indicar condições inapropriadas de manutenção.

Outros comportamentos registrados para estas espécies, durante o estudo, foram: Vigilância, Alimentação, Manutenção e Brincadeira que em conjunto, compreenderam somente 12% do tempo dos animais. A baixa porcentagem de comportamentos naturais revela a inadequação dos recintos em que são mantidos e a necessidade de ambientes mais estimuladores.

Enriquecimento Ambiental

Preocupados com a situação dos felinos em cativeiro estes pesquisadores têm investigado o efeito do Enriquecimento Ambiental no comportamento desses animais. Este tipo de enriquecimento é uma técnica que objetiva um ambiente mais propício a interações, permitindo ao animal cativo apresentar um comportamento mais próximo do observado na natureza para a espécie.

Na prática, o Enriquecimento Ambiental abrange uma variedade de técnicas criativas que visa manter os animais cativos ocupados através do oferecimento de oportunidades para a execução de comportamentos, e de ambientes mais estimuladores. Por exemplo: o tipo de alimento e a maneira como estes são oferecidos (camuflado, inteiro), assim como a introdução de vegetação, barreiras visuais, diferentes substratos e estruturas para escalar.

Baseado nesses conceitos, nosso grupo de pesquisa têm avaliado o efeito da adição de canela em pó e do catnip (erva-de-gato – Nepeta cataria) na modificação dos padrões comportamentais e possivelmente na melhoria do bem-estar desses felinos cativos. Apesar do olfato não ser o sentido primário utilizado pelos felinos para a localização da presa, odores podem ter efeitos importantes para estes animais e são usados na comunicação social, como, por exemplo, na identificação de coespecíficos e também na observação de seu status reprodutivo.

Dados obtidos pelo estudo indicam que apesar do tempo de interação dos animais com o enriquecimento ser relativamente pequeno, os odores influenciaram o comportamento dessas espécies. A presença de canela não aumentou a atividade dos animais, entretanto reduzir de maneira significativa o comportamento estereotipado. Já a adição de catnip também não reduziu as estereotipias, contudo influenciou a expressão de comportamentos naturais. Os animais saiam da caixa, onde dormiam, logo após o oferecimento do enriquecimento e reagiam ao item cheirando os troncos insistentemente e esfregando partes do corpo no local, também foi observado um aumento na marcação do território por meio de urina. Esses comportamentos se estendiam por um curto período, que correspondia, em média, a 2,80% do tempo (à noite). Na madrugada, a interação com o enriquecimento restringia-se a exploração olfativa por curtos períodos nos locais onde foram adicionados esses mesmos odores.

Essas pesquisas corroboram o conceito de que qualquer ação que estimule o aumento na diversidade de comportamentos e conseqüentemente melhore o bem-estar dos animais cativos são válidas.

Estudos complementares estão em andamento para conhecermos mais profundamente o comportamento dessas espécies, bem como as mais diferentes maneiras de se intervir tanto nos tipos, como nas freqüências, dos comportamentos desses animais, e assim podermos criar melhores condições para sua manutenção em cativeiro, já que como apresentado na introdução deste artigo, a viabilidade destas espécies, no meio natural, é a cada dia mais questionável.

Autores:

Valdir de Almeida Ramos Júnior, Gabriella Landau Remy - Biólogos do Zoológico do Rio de Janeiro.

Letícia de Souza Resende, Artur Andriolo e Gelson Genaro - Programa de Pós-Graduação em Biologia e Comportamento Animal, Universidade Federal de Juiz de Fora.


Voltar
Top