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Proteção jurídica dos animais contra atos de maus-tratos


Publicado em: 19/03/2006 21:00 | Categoria: Geral

 

Artigo


Assim, a Constituição Federal de 1988 – norma central no ordenamento jurídico pátrio e fundamento para todas as outras normas – determina expressamente a vedação da prática de maus-tratos contra animais. Ao garantir a todos o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, a norma constante no artigo 225 da Constituição Federal e seu §1º, inciso VII determina que para assegurar a efetividade deste direito, incumbe ao Poder Público proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais à crueldade.

A norma constitucional, ao vedar as práticas que submetam os animais à crueldade, incorporou uma nova ética na relação entre os seres humanos e a natureza. A partir da noção de que a separação homem/natureza é um dos mais equivocados fundamentos da modernidade, a norma acolhe a noção de que o bem-estar animal é o bem-estar do ser humano. Neste sentido, não há que se falar em meio ambiente (em sentido amplo – envolvendo o meio ambiente natural, o construído, o cultural e o do trabalho) ecologicamente equilibrado em uma sociedade que aceite práticas cruéis contra animais. Esta nova ética incorporada na Constituição fica ainda mais clara ao se perceber que nos termos de seu artigo 3º, um dos objetivos da República Federativa do Brasil é a construção de uma sociedade solidária. O artigo 225, §1º, VII, da Constituição Federal, deixa evidente que esta solidariedade envolve todas as formas de vida, por isso veda a prática de maus-tratos contra animais.

Mas a norma constitucional fala em vedação na forma da lei. Isto implica na necessidade de leis infraconstitucionais que especifiquem ou exemplifiquem as atitudes consideradas como maus-tratos, bem como a punição daqueles que a causem. Conforme as normas de repartição de competências legislativas da própria Constituição, tanto a União, como os Estados e os Municípios (e o Distrito Federal) têm competência para legislar sobre a matéria, devendo a União editar normas gerais sobre a matéria e os Estados e Municípios suplementarem tais normas, no que couber.

Na esfera federal, destacam-se as seguintes normas: Decreto 24.645/1934 exemplifica, em seu artigo 3º, as condutas consideradas como de maus-tratos. Assim, considera-se maus-tratos: praticar ato de abuso ou crueldade em qualquer animal; manter animais em lugares anti-higiênicos ou que lhes impeçam a respiração, o movimento ou o descanso, ou os privem de ar ou luz; obrigar animais a trabalhos excessivos ou superiores às suas forças e a todo ato que resulte em sofrimento para deles obter esforços que, razoavelmente não se lhes possam exigir senão com castigo; golpear, ferir ou mutilar voluntariamente qualquer órgão ou tecido de economia, exceto a castração, só para animais domésticos, ou operações outras praticadas em benefício exclusivo do animal (...); abandonar animal doente, ferido, extenuado ou mutilado, bem como deixar de ministrar-lhe tudo o que humanitariamente se lhe possa prover, inclusive assistência veterinária; dentre várias outras hipóteses.

A Lei de Crimes Ambientais, por sua vez, determina ser crime punível com pena de três meses a um ano praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos. A pena também é aplicada nos casos de realização de experiência dolorosa ou cruel com animal quando existirem recursos alternativos e é aumentada em caso de morte do animal. Em termos semelhantes, o Decreto 3.179/1999 determina ser infração administrativa, punível com multa, a prática destes mesmos atos, protegendo, em especial, os animais ameaçados de extinção. Destaca-se ainda a Lei de Proteção da Fauna - aplicável a animais silvestres, principalmente, a Lei 6.638/1979, que trata das normas para a prática didático científica da vivisseção de animais e a Lei 10.519/2002, que trata da promoção e a fiscalização da defesa sanitária animal quando da realização de rodeios.

Por fim, além da punição criminal e administrativa dos infratores das normas mencionadas, cabe ainda a responsabilização civil independente da caracterização da culpa, na reparação dos danos causados aos animais, como determina a Política Nacional do Meio Ambiente. As três responsabilidades são independentes, ou seja, quem recebe multa pode ser condenado por crime e obrigado a reparar o dano, simultaneamente.

No âmbito do Paraná, em 2003 foi editado o Código Estadual de Proteção aos Animais. Este Código apresenta normas semelhantes à normativa federal, especificando as condutas de maus-tratos, normas de abate de animais, normas relativas aos animais de laboratório, dentre outras. Deixa a lei para o decreto regulamentador a especificação das autoridades competentes para a aplicação da lei. Infelizmente até a presente data tal decreto não foi editado, implicando em grave omissão do Poder Executivo Estadual. O Estado de São Paulo possui também um Código de Proteção dos Animais, aprovado recentemente.

Finalmente, vários municípios apresentam normas específicas sobre a proteção dos animais. Curitiba, por exemplo, está implantando, por força de Lei Municipal, o Conselho Municipal de Proteção aos Animais, com a participação do Poder Público e da sociedade civil.

Por fim, destaca-se ainda a competência para a aplicação das referidas normas de proteção dos animais. Nos termos do artigo 23 da Constituição Federal, tanto a União como os Estados, o Distrito Federal e os Municípios têm competência para promover a proteção da fauna e do meio ambiente. A repartição de competências somente pode ser especificada por Lei Complementar, ainda não editada pelo Congresso Nacional. Assim, todos os entes da federação têm competência para promover a proteção dos animais contra atos de maus-tratos.

Tratando-se de questão relacionada à preservação do meio ambiente, são competentes para aplicar as leis os órgãos componentes do Sistema Nacional de Meio Ambiente – Sisnama. Na esfera federal, destaca-se o Ibama para a apuração de infrações administrativas e a Polícia Federal para a apuração de crimes envolvendo maus-tratos no tráfico internacional de animais. No Paraná, têm competência para tanto o Instituto Ambiental do Paraná – IAP e a Polícia Militar Florestal (no caso de infrações administrativas) e a Polícia Civil, em especial através da Delegacia de Proteção do Meio Ambiente – DPMA, no caso de crimes de maus-tratos praticados contra animais domésticos e silvestres. No caso dos municípios, são competentes as secretarias municipais de Meio Ambiente (caso existam) ou outros órgãos criados por leis municipais para a implementação da política municipal de meio ambiente com poderes para a fiscalização ambiental.

Assim, resta evidente o amplo respaldo legal para o combate das condutas que impliquem em maus-tratos contra animais. O CRMV-PR, por força das suas competências legais, não possui competência legal para lavrar autos de infração tipificados em crimes ambientais. No entanto, tem o dever legal de comunicar as autoridades competentes ao tomar conhecimento de quaisquer condutas que impliquem em atos de crueldades contra animais. Porém, sem prejuízo a este fato, poderá o CRMV-PR representar as autoridades competentes acerca de fatos que apurar e cuja solução não seja de sua alçada, como prevê a Lei Federal 5.517/1968.

Os médicos veterinários e os zootecnistas, tratando-se de profissionais com obrigações ético-profissionais, têm o dever ético de não adotar condutas que impliquem em maus-tratos contra animais, conforme determinam os Códigos de Ética Profissional de cada uma das profissões (Resolução CFMV 722/2002 – médicos veterinários; Resolução CFMV 413/1982 – zootecnistas). Contudo, os médicos veterinários e zootecnistas poderão sofrer sanções éticas e os RTs dos estabelecimentos que infringirem os dispositivos legais poderão pagar multa no valor mil reais, chegando ao teto de quatro mil reais, segundo a Resolução CFMV 682/2001.

Por Leonardo Zagonel Serafini e Carlos Reinhardt Jr., assessores jurídicos CRMV-PR

Ricardo Simon, assessor técnico CRMV-PR


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