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Geral

Quem mora em prédios tem mais ou menos cães e gatos?


Publicado em: 23/01/2007 09:40 | Categoria: Geral

 

Artigo


Para a Organização Mundial da Saúde (OMS), a proporção ser humano:cão varia de 7 a 10:1 em países em desenvolvimento (World Health Organization, 1990). Entretanto, recentes estimativas realizadas em regiões do estado do Paraná, São Paulo e Pernambuco mostraram que a razão ser humano:cão pode variar de 3,6 a 9,14 (Biondo et al., 2006, Nunes et al., 1997; Lima Júnior, 1999; Dias, 2001; Paranhos, 2001; Dias et al., 2004; Alves et al., 2005) . Por ouro lado, pouco se sabe a respeito do tamanho e dinâmica da população felina em países da América Latina. Em Recife (PE), Taboão da Serra (SP), Guarulhos (SP) e São Paulo (SP) as proporções ser humano:gato encontradas foram de 13,5:1; 30,57:1; 24,3:1 e 46:1; respectivamente (Lima Júnior, 1999; Dias 2001; Paranhos, 2002).

A maioria dos estudos conduzidos para se estimar a população animal levou em consideração o tipo domiciliar “casas”; e até o momento, não existem dados a respeito do tamanho dessa população domiciliada em prédios. Assim, o objetivo desse trabalho foi estimar as populações canina e felina domiciliadas nesse tipo de residência em um bairro na cidade de Curitiba, Brasil, com base em indicadores populacionais humanos.

O Bairro Cabral da cidade de Curitiba, Brasil, foi escolhido para a realização da estimativa animal devido à predominância de prédios e status financeiro de classe média, com uma renda mensal média per capita de R$ 3.914,50. O bairro possui um total de 173 prédios, onde 69 (39,8 %) foram amostrados. A área foi divida em seis regiões; e cada região teve aproximadamente 11 prédios analisados. A estimativa da população animal foi realizada baseada em um inquérito aplicado aos porteiros de cada prédio. Foram levantados dados como: número de apartamentos, número de moradores, número de cães nos prédios, número de gatos no prédio e se o condomínio permitia animais. A aplicação dos questionários foi realizada, após devido treinamento, por alunos da disciplina de Zoonoses do Departamento de Medicina Veterinária da Universidade Federal do Paraná.

Dos 173 prédios pesquisados, obteve-se um total de 1.638 apartamentos, perfazendo uma média de 23,73 apartamentos por prédio. O número total de moradores foi de 3.866, representando 2,36 seres humanos por apartamento. Em um total de 64 prédios (92 %), era oficialmente permitida a guarda de cães e gatos. No entanto, mesmo dentre os que não permitiam, todos possuíam animais. O número de cães e gatos foi de 277 e 39, respectivamente, perfazendo um total de 4,0 cães e 0,6 gatos domiciliados por prédio. A estimativa do tamanho da população canina e felina para o número total de prédios do bairro foi de 694,5 e 97,8, respectivamente. Assim, a proporção ser humano:cão foi de aproximadamente 14:1; e a proporção ser humano:gato foi de 99:1, levando em consideração que a estimativa da população total domiciliada em prédios no bairro estudado foi de 9.693,01.

Ao analisar as proporções ser humano:cão e ser humano:gato das populações domiciliadas em casas de diferentes bairros de Curitiba (Biondo et al., 2006), foi possível concluir que tais proporções são aproximadamente quatro vezes maiores para as populações domiciliadas em prédios do presente estudo. Essa diferença pode ser explicada por dois fatores: pelo tipo de domicílio (prédios) e pelo nível sócioeconômico dos moradores. 

O tipo de domicílio pode explicar a alta proporção ser humano:animal de duas maneiras: pelas dificuldades de se manter cães e gatos em apartamentos; e pela restrição à movimentação animal. Em bairros com predominância de casas podem existir animais com diferentes graus de restrição, o que pode resultar numa alta taxa de natalidade e subsequente superpopulação. O tamanho da população em domicílios verticalizados do presente estudo mostra como a posse responsável com restrição à movimentação animal contribui muito para o controle populacional de cães e gatos. Além dos levantamentos já realizados em Curitiba, estudos nos municípios de Recife (PE), São Paulo (SP), Taboão da Serra (SP) e Guarulhos (SP), que não levaram em consideração a presença de prédios na metodologia do censo animal, também apresentaram proporções menores (Nunes et al., 1997; Lima Júnior, 1999; Dias, 2001; Paranhos, 2001; Dias et al., 2004; Alves et al., 2005). 

Acredita-se que o nível socioeconômico possa influenciar no tamanho da população animal em certas regiões. Entretanto, Dias et al. (2005) e Alves et al (2005) não encontraram diferença significativa entre regiões com diferentes status econômico no Estado de São Paulo. De acordo com Alves et al. (2005), mais estudos devem ser delineados com esse objetivo para confirmar essa ausência de relação. Em um estudo realizado nas regiões da Vila Osternack e Vila Torres, Curitiba, que possuem renda percapita mensal inferior ao Bairro Cabral e predominância de casas (segundo Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba), a proporção ser humano:cão foi de  3,4:1 e 3,8:1, respectivamente; e a proporção ser humano:gato foi de aproximadamente 27:1 na Vila Torres (Biondo et al., 2006). Embora o presente estudo não tenha sido delineado para avaliar diferenças entre níveis socioeconômicos, percebe-se que, quando comparado com o censo por amostragem dos demais bairros, o bairro Cabral apresentou claramente um menor número de animais por habitante. Entretanto, a exata proporção cão: gato do bairro Cabral (7,11 cães para cada gato) foi quase idêntica à proporção do bairro Vila Torres (7,07 cães para cada gato), o que reflete uma tendência similar na proporção de aquisição de cães e gatos quando comparados bairros de perfis sócio-econômicos e de habitação distintos, mas dentro do mesmo município de Curitiba. O nosso grupo de trabalho está atualmente realizando um estudo preliminar dos perfis de outros municípios da região metropolitana, bem como do litoral e do interior do Estado do Paraná, para entender melhor a dinâmica populacional canina e felina nos diferentes ambientes do nosso Estado.

Conclusões

A adoção de uma razão única para América latina, como preconizado pela OMS, pode levar a um grande erro no planejamento de programas de controle populacional e de zoonoses. Os resultados obtidos no presente estudo revelaram que o tamanho da população animal domiciliada em prédios é diferente da domiciliada em casas, embora a proporção entre cães e gatos possa permanecer semelhante. Profissionais de órgãos de Saúde Pública e outros profissionais ligados ao setor, bem como o médico veterinário em geral, devem sempre que possível estimar a população animal baseando-se no tipo de domicílios predominantes em cada região para implementar programas de controle de zoonoses e de controle populacional de cães e gatos de rua e semi-domiciliados.  Mais do que isso, o censo canino e felino por amostragem oferece aos médicos veterinários que pensam em estabelecer uma clínica de atendimento a pequenos animais, uma estimativa mais precisa das populações canina e felina na região, o que pode ser fundamental no planejamento da localização do empreendimento de acordo com o perfil imobiliário do local.  


Referências


Alves, M. C. G. P.; Matos, M. R.; Reichmann, M. L; Dominguez, M. H. Estimation of the dog and cat population in the State of São Paulo. Rev Saude Publica, São Paulo, 39, 6, 1-7, 2005.

Biondo, A.W.; Koblitz, E.; Ultime, R.; Bonacim, J.E.; Feitosa, C.; Valeixo, M.; Chi, K.D.; Molento, C.F.M. Owned and semi-owned dog census in Curitiba and surroundings, Brazil. International Society of Applied Ethology – North American Regional Meeting, 37, 2006. Disponivel no site http://www.applied-ethology.org/isaemeetings_files/.

Dias R. A. Emprego do sistema de informação geográfica (SIG) no controle de raiva canina, 2001, 84p. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia. Universidade de São Paulo.

Dias, R. A.; Garcia, R. C.; Silva, D. F.; Amaku, M.; Ferreira Neto, J. S.; Ferreira, F. Estimativa de populações canina e felina domiciliadas em zona urbana do Estado de São Paulo. Rev Saude Publica, São Paulo, 38, 4, 565-570, 2004.

Lima Júnior, A. D. Dinâmica populacional canina e a persistência da raiva na cidade de Recife (PE), Nordeste do Brasil, 1999, 187p. Dissertação (Doutorado) – Faculdade de Saúde Pública. Universidade de São Paulo.

Nunes, C. M.; Martines, D. A.; Fikaris, S.; Queiróz, L. H. Avaliação da população canina da zona urbana do Município de Araçatuba, São Paulo, SP, Brasil. Rev Saude Publica, 31, 3, 308-309.

Paranhos, N. T. Estudo das populações canina e felina em domicílio, município de São Paulo, 2002, 83p. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Saúde Pública. Universidade de São Paulo.

World Health Organization. Guidelines for dog population management. Genebra: WHO, 1990.

Por:

Clóvis Augusto Serafin1, 
Gabriela do Amaral da Rosa1, 
Ana Marcia de Sá Guimarães2, 
Regina A. Utime3, 
Alexander Welker Biondo1.

1. Departamento de Medicina Veterinária, Universidade Federal do Paraná. 
2. Instituto de Ciências Biomédicas, Universidade de São Paulo. 
3. Centro de Controle de Zoonoses. 


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