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Carrocinha Não Resolve
Artigo
Mas afinal por que a carrocinha não resolve?
Em primeiro lugar, porque a população de cães se renova rapidamente após o recolhimento pela carrocinha. O número de animais eliminados anualmente em Curitiba de
Pode-se pensar que o problema seja o tamanho de Curitiba, ou que a solução seja recolher mais cães; entretanto, segundo os especialistas no assunto, estes argumentos são superficiais. A Organização Mundial de Saúde (OMS), em reunião de peritos em raiva, concluiu que “não há evidências de que a remoção de cães isoladamente tenha impacto significativo na densidade da população de cães ou na transmissão da raiva” (OMS, 2005). Segundo este documento, mesmo em locais nos quais se observou os mais altos índices de recolhimento de cães (em torno de 15% da população total), o recolhimento foi facilmente compensado pelo aumento das taxas de sobrevivência da população restante. Isto significa que mesmo se fossem recolhidos 67,5 mil cães anualmente em Curitiba, este recolhimento não resolveria o problema.
Em segundo lugar estão alguns fatores culturais. No
A noção equivocada da saúde pública de que o recolhimento de cães era a base para o controle populacional e prevenção de zoonoses contribuiu para esta cultura da guarda irresponsável. Solicitações diárias de recolhimento de animais eram feitas por motivo de doença ou idade avançada, crias indesejadas, alteração de comportamento, mudança de residência ou outros motivos tais como viagens e férias familiares. A responsabilidade do proprietário encontrava-se transferida para o serviço de saúde pública em muitas capitais brasileiras, com milhares de animais sacrificados em câmara de gás e apenas um pequeno percentual de cães adotados. A taxa de adoção de cães recebidos no
Como início de uma nova estratégia, o
Em terceiro lugar, porque a Lei Federal 9605, de Crimes Ambientais, de 12 de fevereiro de 1998, em seu artigo 32, determina que constitui crime “praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos, com pena de detenção de três meses a um ano e multa. Incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos, sendo a pena aumentada de um sexto a um terço, se ocorre morte do animal”. Deste modo, o recolhimento de cães que não ofereçam riscos à saúde passou a ser considerado crime ambiental, em parte por não haver mais a sustentação técnica da OMS. Assim sendo, o recolhimento de cães fica passível de mobilização de ação cível pública pelo Ministério Público, como já aconteceu em vários municípios, inclusive em Curitiba.
Mas como controlar os cães de rua? Pesquisas realizadas em vários municípios do Estado de São Paulo mostraram que somente 3% da população canina é verdadeiramente de rua, pois a maioria está em situação domiciliada e semi-domiciliada. Em Curitiba, enquanto 90% dos animais que vivem em bairros nobres estão domiciliados, sem acesso as ruas, a maioria dos cães nas vilas e comunidades da periferia é mantida de forma semi-domiciliada, com livre acesso às ruas. Neste quadro, um programa de controle populacional é eficaz apenas se primar pela busca do equilíbrio ambiental por meio da somatória de diversas atividades que visem mudanças culturais da sociedade.
A educação formal deve, no âmbito da disciplina de Educação Ambiental, conter assuntos relacionados à guarda responsável, bem-estar animal, doenças espécie-específicas e zoonoses. Campanhas informativas para a população que abordem temas de guarda responsável e educação em saúde são de igual importância para se reduzir crimes ambientais, reprodução indesejada, riscos de mordeduras, acidentes de trânsito, contaminação ambiental pela eliminação de fezes e animais mortos, bem como a orientação para o correto acondicionamento do lixo orgânico a fim de evitar fonte de alimentos dispersos nas ruas, evitando descontrole populacional de cães e outros animais como ratos e pombos.
Somente com todas estas atividades ocorrendo de maneira articulada e simultânea pode-se alcançar sucesso no controle populacional de cães, assegurando assim uma melhor qualidade de vida tanto para o ser humano quanto para os animais.
Bibliografia
BIONDO, A. W.; KOBLITZ, E.; UTIME, R. ; BONACIM, J.E.; FEITOSA, C.; VALEIXO, M.; MOLENTO, C. F. M. Owned and Semi-owned Dogs Census in Curitiba and Surroundings, Brazil. In: ISAE North American Regional Meeting, 2006, Vancouver-Canada. ISAE North American Regional Meeting Program and Abstracts, 2006.
WORLD HEALTH ORGANIZATION. WHO Expert consultation on Rabies. WHO Technical Report Series, 931, 2005.
Por Alexander W. Biondo, médico veterinário docente da UFPR
Graziela R. da Cunha, Mariana A. G. da Silva e Keila Y. Fuji, graduandas
Regina A. Utime, coordenadora do Centro de Controle de Zoonoses de Curitiba.
Carla F. M. Molento, médica veterinária docente da UFPR
Contato: zoonoses@ufpr.br