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Geral

Senciência Animal


Publicado em: 19/03/2006 21:00 | Categoria: Geral

 

Artigo


Sobre senciência

Senciência é uma palavra que ainda não consta em dicionários de português; seu adjetivo, “senciente”, aparece no Aurélio como “que sente”. No ambiente técnico, o termo senciência vem sendo utilizado na acepção “capacidade de sentir”. O reconhecimento científico de tal capacidade nos animais tem profundas implicações éticas, daí o título do evento. Apesar das questões semânticas, a discussão em torno do assunto não é recente. Parece natural ao longo do desenvolvimento da humanidade que as pessoas, desde os tempos mais remotos, tratem os animais como se eles fossem sencientes.

Durante a Renascença, entretanto, a maioria dos filósofos ocidentais negava a senciência animal. René Descartes (1596 a 1650), talvez pela grande influência de suas teorias em várias áreas do conhecimento humano buscava explicar o comportamento animal sem a existência de sentimentos. Por outro lado, a teoria da evolução provê uma abordagem à questão da senciência animal bastante diferente daquela oferecida por Descartes.

Um bom início seria citar as palavras do próprio Charles Darwin: “Não existe nenhuma diferença fundamental entre o ser humano e os animais superiores em termos de faculdades mentais. A diferença entre a mente de um ser humano e de um animal superior é certamente em grau e não em tipo”. Por que Darwin disse isso? Devido a considerações relacionadas ao grau de complexidade e as similaridades entre anatomia e fisiologia humana e animal, à premissa de que formas de vida mais complexas evoluíram a partir de formas de vida mais simples e ao valor da senciência para a sobrevivência da espécie.

Nosso propósito neste breve relato é divulgar a noção de que, no mundo atual, a senciência animal é reconhecida no ambiente científico e que isto tem implicações práticas diretas para a nossa conduta profissional. Vale ressaltar que os médicos veterinários e zootecnistas brasileiros, na sua maioria, continuam recebendo uma formação cartesiana. É tempo de mudar.

O
aumento de produto obtido por unidade de área na agricultura que aconteceu durante a chamada Revolução Verde foi impressionante. Existe alguma diferença entre aumentarmos significativamente o número de tomateiros e o número de porcas gestantes em uma determinada área? Sim. Suínos têm sentimentos, tomates não.

Conseqüências do reconhecimento

De acordo com o professor John Webster, do Departamento de Ciência Veterinária Clínica, da Universidade de Bristol, ao reconhecermos que animais não são commodities mas sim seres sencientes, nós humanos não podemos fugir a algum tipo de contrato social. Nossa primeira responsabilidade, continua o professor, é reproduzir e manejar animais de produção de forma a promover alto grau de bem-estar durante suas vidas, sendo que bem-estar deve ser definido em termos de estado físico e emocional dos animais. Aqui vemos claramente a necessidade dos médicos veterinários e dos zootecnistas estarem aptos a diagnosticar o grau de bem-estar animal em diferentes situações. Cabe-nos também usar nossa capacidade criativa para encontrar formas viáveis do ponto de vista social e econômico de se melhorar a qualidade de vida dos animais sob nossos cuidados.


Carla Forte Maiolino Molento (CRMV-PR 2870)
É Médica veterinária, MSc, PhD; coordenadora do Laboratório de Bem-Estar Animal (Labea) - Departamento de Zootecnia, da UFPR.


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