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O Médico Veterinário e o Zootecnista frente aos Novos Desafios Ambientais


Publicado em: 03/06/2011 12:17 | Categoria: Geral | Autor: Ana Maria Ferrarini

 

Artigo

Hoje é indiscutível a importância de construirmos uma sociedade que se preocupe com o meio ambiente e que garanta, a longo prazo, a manutenção dos seus Bens Ambientais Naturais.

Bens Ambientais como o ar; a água; o solo; inúmeros princípios ativos para nossa farmacopeia; nossos alimentos; a estabilidade climática; os recursos vegetais e animais; a biodiversidade do planeta; a proteção contra os elementos climáticos; e até mesmo a beleza estética de uma paisagem, podem ser representados economicamente, resultando em cifras estimadas em muitos bilhões de reais. Porém esses bens ambientais e a produção primária econômica só existem e continuarão existindo, se forem respeitados os limites dos processos ecológicos que geram e sustentam os sistemas produtivos naturais ou artificiais.

Socialmente, os problemas decorrentes do uso indiscriminado dos recursos naturais serão sentidos por todos. Esta realidade coloca os profissionais Médicos Veterinários e Zootecnistas, em uma encruzilhada. Em grande parte, dependemos de uma base de recursos naturais para nossa atividade profissional, porém, constantemente nos deparamos com “obstáculos ambientais”, dados pela própria natureza ou por questões burocráticas. Aprender a lidar com estes obstáculos de forma ética e ambientalmente correta deve fazer parte da nossa formação e atuação.

O Brasil viveu um “boom” de criação de leis ambientais desde a promulgação da Constituição em 1988, que pela primeira vez na historia do país, afirma que “todos tem direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida”. A partir de então, viu-se a promulgação de importantes instrumentos legais que não só normatizaram as ações ambientais, mas criaram novos instrumentos políticos e instâncias públicas para a sua implementação, evidenciando a preocupação e a maior atuação do governo e da sociedade em geral, frente às questões socioeconômicas e ambientais do país, inclusive com uma crescente participação do setor empresarial.

Não obstante a esses avanços, o país encontra-se, ainda, distante de resolver os seus problemas ambientais ou equilibrar suas necessidades econômicas e de desenvolvimento com a necessidade de manter uma base sustentável de recursos naturais. Nos últimos anos, também se observou um acentuado ritmo de devastação e contaminação ambiental no Brasil. As medidas para combater essas agressões e proteger o meio ambiente seguem sendo insuficientes face às forças do desenvolvimento ambientalmente degradante, em grande parte, estimuladas pela forte demanda por produtos da cadeia primária para os mercados nacional e internacional.

Diante deste quadro, verifica-se que são poucos os recursos financeiros e pessoais destinados a criar estratégias de desenvolvimento mais adequadas à manutenção dos bens naturais, quando comparados aos recursos imediatos disponíveis para atividades que convertem os bens naturais em econômicos de forma insustentável, gerando uma degradação ambiental perigosa ao futuro destas mesmas atividades econômicas.

A universidade tem um papel fundamental em todo este processo de mudança social e sua sintonia com temas associados ao meio ambiente e à qualidade de vida das futuras gerações tem crescido nas últimas décadas. Entretanto, a relação do meio acadêmico institucionalizado com esse tipo de tema é muito difícil. A organização departamentalizada valoriza as especialidades e é avessa a visões interdisciplinares, fundamentais para solução de questões ambientais. Há que se romper com preconceitos de cunho especialista: a visão generalista e integradora não é uma qualidade menor; é um atributo necessário ao enfrentamento de problemas complexos. Neste sentido, a formação profissional do Médico Veterinário e do Zootecnista peca em não se aprofundar na discussão de temas ambientais contemporâneos, relevantes à nossa profissão, formando profissionais alienados dos atuais desafios ambientais da sociedade moderna. Desafios com os quais nos deparamos na vida profissional e muitas vezes não temos o conhecimento necessário para sequer orientar corretamente nossas ações.

Várias situações colocam os profissionais Médicos Veterinários e Zootecnistas frente a desafios ambientais relevantes, que requerem mudanças de conduta e de práticas profissionais como:

1) A gestão dos Resíduos Sólidos gerados por nossas atividades profissionais e por empreendimentos em que somos RTs. Como as atividades de industrialização e distribuição de alimentos de origem animal; o serviço da prática médica, cirúrgica e laboratorial; a produção animal de forma intensiva e extensiva.

2) A questão dos Resíduos Químicos que derivam do uso de princípios ativos que são liberados no ambiente, muitos destes hoje classificados como “perturbadores endócrinos”, capazes de alterar ciclos e padrões metabólicos, prejudicando a capacidade dos organismos animais de resistir ao estresse ambiental ou reduzindo sua capacidade reprodutiva. Substâncias de uso comuns na rotina do profissional médico veterinário e zootecnista como hormônios, anti-helmínticos, antiinflamatórios não esteróides, antibióticos, e outros, além de seus derivados ambientais, que podem ter efeitos cumulativos e inesperados quando disponíveis no ambiente.

3) A questão da Qualidade da Água e da Gestão dos Usos Múltiplos da Água em decorrência de atividades de produção animal, como a pecuária e a aquicultura.

4) A questão da Expansão da Pecuária e a supressão vegetal que ela demanda; os impactos dessa atividade sobre os recursos hídricos, o clima local e global; o papel dessa atividade na emissão de gazes de efeito estufa e o impacto direto e indireto sobre a diversidade de espécies animais e vegetais.

5) A necessidade de mudanças nos padrões de Manejo Sanitário e Medicina Preventiva frente à perda de Biodiversidade e às Mudanças Climáticas, as quais ocasionam mudanças em ciclos epidemiológicos de zoonoses e doenças de interesse econômico para produção animal. Bem como o impacto dessas mudanças sobre ciclos naturais de doenças em populações de espécies silvestres, muitas delas chaves ao equilíbrio ecológico dos ambientes naturais.

6) A necessidade de cumprir os requisitos e exigências para o Licenciamento Ambiental. Demandas que o profissional de hoje deve entender não como uma dificuldade imposta, mas sim como um instrumento importante de conservação ambiental e preservação da própria atividade econômica.

7) A Introdução de Espécies Exóticas Invasoras, que é prática comum na produção animal e na comercialização de animais de estimação, mas que hoje constitui a segunda maior causa de extinção de biodiversidade em todo o planeta.


Frente à amplitude das relações ecológicas, sociais e econômicas que resultam em “questões ambientais”, a dificuldade atual dos profissionais Zootecnistas e Médicos Veterinários talvez esteja justamente em definir, frente à disponibilidade de conhecimentos ao nosso alcance e às demandas econômicas e ecológicas, onde a sua atuação contribui ou prejudica a manutenção dos Bens Ambientais Naturais. O bom uso desses recursos naturais faz, obrigatoriamente, parte de uma nova sociedade, onde teremos um papel reconhecido como profissionais fundamentais na geração de meios de produção de baixo impacto... ou seremos lembrados como carrascos, caso não sejamos capazes de vislumbrar os efeitos das estratégias que usamos hoje, frente a esses “obstáculos ambientais”.

Diante de todos estes desafios, nos damos conta de que ainda temos um longo caminho a percorrer na busca por uma sociedade ambientalmente sustentável, que assimile a necessidade da existência de uma legislação que proteja efetivamente os bens naturais que pertencem a todos. Uma sociedade que entenda que a legislação ambiental deve ser vista não como um obstáculo, mas sim como uma garantia de continuidade dos sistemas socioambientais que geram e movimentam a economia. A visão econômica imediatista, descomprometida com as necessidades de qualidade do meio onde vivemos, gerou os problemas ambientais atuais como as mudanças climáticas, conflitos por recursos naturais, perda de biodiversidade, doenças emergentes, ampliou a desigualdade e conduziu a conflitos sociais, realidades que se apresentam hoje como principais obstáculos ao bem estar geral e econômico da nossa sociedade globalizada.

Autores
Comissão de Meio Ambiente do CRMV-PR
Carlos Eduardo Belz
Paulo Rogério Mangini
Luiz Danilo Muehlmann
Lucyenne Giselle Popp Brasil Queiroz
Angelo Garbossa Neto
Cynthia Hauer de Mello Leitão
Verônica Vianna
Eric Koblitz
 


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