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Geral

O Contexto do Médico Veterinário na Saúde Pública Contemporânea


Publicado em: 03/06/2011 12:43 | Categoria: Geral

 

Artigo

No período de 25 a 28 de outubro de 2009, em Bonito/MS, realizou-se o III Congresso Nacional de Saúde Pública Veterinária e o I Encontro Internacional de Saúde Pública Veterinária, quando foram apresentados e debatidos diversos temas inerentes à saúde pública enfocando a Medicina Veterinária. O evento contou com a participação de cerca de 900 profissionais de diversas profissões, sendo vários estrangeiros, o que estimulou a abordagem multidisciplinar dos temas.

Na abertura foi destacada a importância da participação do médico veterinário nas ações de saúde pública, como, também, da necessidade de prepará-lo desde a sua graduação para ser inserido nas atividades realizadas nos diversos níveis desse segmento. Reforçou-se, ainda, o papel desse profissional na saúde e bem-estar dos animais e perante as necessidades sanitárias humanas, trabalhando através de uma visão complexa que contemple a integração da saúde animal, humana e ambiental.

As palestras abrangeram os diversos campos da saúde pública, tais como: prevenção, vigilância, controle e erradicação de zoonoses e agravos por animais; controle, higiene e tecnologia de alimentos; inspeção e fiscalização de produtos de origem animal; biotério; laboratório de saúde pública; planejamento, gestão e educação em saúde; ensino em saúde pública de um modo geral, de quem atua nos mais diversos segmentos das vigilâncias ambiental, epidemiológica, sanitária e saúde do trabalhador.

Saúde Pública Veterinária no Mundo

Palestrantes da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) e da Organização Mundial da Saúde (OMS) ressaltaram a importância do médico veterinário para a saúde pública mundial, pois 60% dos patógenos humanos são zoonóticos; 75% das enfermidades humanas emergentes são de origem animal e 80% dos patógenos que podem ser usados em bioterrorismo são de origem animal.

Diante desses dados, o ex-diretor da Organização Pan-americana de Febre Aftosa/OPAS, Albino Belotto, informou que desde 1949 os médicos veterinários atuam nessa instituição e que esse profissional deve estimular a relação harmoniosa entre os animais e a humanidade, prevenindo as zoonoses, incluindo as transmitidas por alimentos. Declarou que a Medicina Veterinária tem participação ativa nas ações para alcançar as "Metas de Desenvolvimento do Milênio", pois entre elas estão a de reduzir pela metade os índices de pobreza até 2015, e a atuação dessa categoria deverá garantir, entre outras coisas, a produção de alimentos de origem animal com qualidade e a prevenção e o controle de doenças.

A representante da FAO, Katinka DeBalogh, relatou o papel estratégico do médico veterinário na prevenção e no controle das pandemias, destacando a sua atuação na crise da gripe aviária ocorrida há três anos. Comentou que os profissionais devem ser atualizados para atuar na vigilância das zoonoses emergentes e reemergentes e frisou, ainda, a necessidade de estimular a integração multidisciplinar entre os profissionais de saúde de todo o mundo, permitindo a partilha de experiências. Salientou, ainda, a importância da cooperação, através de parcerias internacionais, para informar e preparar os profissionais sobre as doenças circulantes nos diversos países e sobre a necessidade de revisar os currículos de graduação com o objetivo de capacitar os futuros veterinários para os desafios da saúde pública mundial.

Cristina Schneider, representante da PAHO/OMS, informou que na América Latina um bilhão de pessoas convive com 150 milhões de cães, 500 milhões de bovinos e 150 espécies de morcegos, destacando a tarefa do médico veterinário na interface das relações dessas espécies. Frisou, também, a necessidade: de uma capacitação interdisciplinar para os profissionais de saúde pública; da primordialidade do regulamento sanitário internacional; da intensificação da vigilância em relação às zoonoses emergentes e reemergentes; e da eliminação das doenças negligenciadas.

Dessa forma, o evento destacou o papel do médico veterinário para:
- O desenvolvimento socioeconômico dos países;
- O bem-estar das populações humanas e animais;
- O combate ao bioterrorismo e a prevenção da resistência bacteriana;
- A vigilância ambiental;
- A conscientização dos consumidores e, inclusive;
- A prevenção e a mitigação de doenças e agravos nos desastres ambientais.

A Medicina Veterinária na Saúde Pública Nacional

O professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, médico veterinário Paulo César Augusto Souza, relatou a queda da representatividade da Medicina Veterinária no serviço de saúde é causada pela falta de articulação social e política dos profissionais dessa categoria. Descreveu que outras categorias tem participado na Conferência Nacional de Saúde em grande número, como, por exemplo, a Farmácia. Lastimou a pouca expressividade e participação dos médicos veterinários desde os Conselhos Municipais de Saúde, opinião que foi compartilhada por outros profissionais presentes, fato esse que deve ser corrigido o quanto antes, para permitir uma maior participação dos médicos veterinários na construção das políticas e estratégias da saúde pública nacional

Paulo César sinalizou que há uma grande área de atuação para os médicos veterinários na saúde pública brasileira, e que as zoonoses, devido à gravidade dessas patologias para a população humana e animal, são uma grande "oportunidade" para justificar e incrementar a participação desses profissionais em todos os níveis do serviço de saúde nacional.

Zoonoses

As zoonoses foram abordadas destacando-se as patologias emergentes, reemergentes e negligenciadas.

Paulo Chagatelles, da Fiocruz, ressaltou a sua preocupação em atualizar e acompanhar a evolução dos patógenos, tendo em vista, inclusive, o aumento da complexidade da sociedade, pois a humanidade encontra-se em um processo socioambiental dinâmico.

O pesquisador abordou, também, o tema "Leishmaniose", destacando o aumento da forma visceral no nosso país principalmente nas áreas urbanas, pois se tratava de uma enfermidade inicialmente de ciclo silvestre. Informou que as intervenções realizadas até o momento não conseguiram controlar essa zoonose no Brasil e que se deve investir na pesquisa e na busca de soluções através de novas tecnologias e metodologias.

Outros profissionais relataram, em relação à leishmaniose visceral no Brasil, a falta de integração da vigilância de campo com o laboratório; que ela apresenta uma expansão acentuada e irregular no território nacional e; que os profissionais devem trabalhar para definir os fatores determinantes da sua expansão geográfica e realizar o mapeamento e a análise da distribuição da Lutzomya em todo o país.

Foram mencionados alguns patógenos zoonóticos, que apesar de não apresentarem casos clínicos no Brasil, estão presentes em seus vetores em várias regiões do Brasil. E o caso da Peste, que segundo a médica veterinária Simone Valéria Costa Pereira, do Ministério da Saúde, circula em regiões de Pernambuco e do Rio de Janeiro, sendo necessário o monitoramento regular da bactéria Yersinia no nosso território.

Entre as zoonoses negligenciadas, o professor Alexandre Íris Leite destacou a Cisticercose e a Teníase. Afirmou que a carência da inspeção dos produtos de origem animal e os problemas sociais decorrentes da miséria e da pobreza, em várias localidades nacionais, fazem com que essas zoonoses ainda tenham altas frequências no Brasil.

O médico Marcos Vinícius da Silva, do Instituto de Infectologia Emílio Ribas, de São Paulo, abordou a Brucelose, destacando a dificuldade do seu diagnóstico em humanos e a necessidade de maior articulação com os profissionais da veterinária para o manejo dessa zoonose. Lembrou, também, da alta incidência de infecção pela Brucela sp através de atividades profissionais, citando vários casos de pacientes médicos veterinários.

Manejo de Populações de Cães e Gatos

A questão do manejo das populações de cães e gatos, relevante para a maioria dos municípios brasileiros, foi trabalhada através da troca de experiências de diversos profissionais de centro de controles de zoonoses, universidades, órgãos públicos, organizações de saúde e organizações não governamentais.

Esse tema ainda traz muitos questionamentos, pois não apresenta um conjunto de políticas e ações que permitam uma padronização das orientações para as atividades municipais no manejo das populações de cães e gatos. Entretanto, nos últimos anos, vários avanços foram obtidos através das experiências de diversos municípios e instituições, permitindo construir fundamentos iniciais para orientar os serviços que gerenciam essas populações, demonstrando um avanço nessas questões.

A médica veterinária Luciana Hardt Gomes, da Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo, salientou que as ações para manejar as populações de cães e gatos fazem parte do sistema de saúde para o controle de zoonoses. Afirmou que o ideal é que essas populações envelheçam com saúde, evitando a renovação acentuada da mesma, pois os filhotes e os animais jovens são mais susceptíveis a doenças, o que aumenta o risco de transmissão de zoonoses.

Existe na sociedade atual um vínculo forte das pessoas com os animais de estimação e ele deve ser lembrado e respeitado pelos profissionais que trabalham nessa área. Por esse motivo, Luciana sugeriu que esse tema deve ser promovido para fazer parte do Plano Municipal de Saúde. Consequentemente, para reforçar a responsabilidade social e governamental em relação a essas populações animais, recomendou um programa planejado com várias ações, como, por exemplo, esterilização cirúrgica e estudos para viabilizar o animal "comunitário". Comentou que para colocar essas propostas em prática é necessário conhecer a realidade de cada município, cruzar essas informações com as suas necessidades locais, visualizando as áreas de maior risco, para direcionar eficazmente os investimentos

A proibição da eutanásia em animais que não causem riscos à saúde pública já vigora no Estado de São Paulo e é uma tendência para o resto do país, assim, a responsabilidade do médico veterinário aumenta, pois para este profissional a questão ética relacionada com os animais é fundamento da sua prática profissional. Luciana Hardt Gomes finalizou comentando a possibilidade do crescimento da área de atuação do médico veterinário diante do novo conceito de "médico veterinário do coletivo", ou seja, aquele que atua na "medicina de abrigo", área já bastante difundida nos Estados Unidos.

Uma grande dificuldade encontrada na gestão do manejo de populações de cães e gatos é calcular o impacto das esterilizações na população de animais, visando o melhor aproveitamento dos recursos aplicados nessas atividades. Nesse sentido, o pesquisador Fernando Ferreira, da Universidade de São Paulo, apresentou o seu trabalho sobre o impacto da esterilização no tamanho da população de cães domiciliados. O trabalho desenvolvido pelo pesquisador permite aos gestores uma previsão dos resultados dos procedimentos de esterilização no controle populacional, através da utilização de cálculos estatísticos. Adiantou, pelos dados já obtidos, que os objetivos de um programa de manejo populacional serão alcançados mais satisfatoriamente esterilizando-se fêmeas maiores de um ano de idade. Esse tipo de iniciativa torna melhores o gerenciamento e o monitoramento das ações realizadas para o manejo das populações de cães e gatos nos municípios.

O Reflexo das Questões Ambientais na Saúde Pública

O meio ambiente e as mudanças que nele estão ocorrendo são uma preocupação para os profissionais da saúde pública. Nos dias atuais, a interface das questões ambientais com a saúde humana e animal é estudada e monitorada de forma intensa e complexa, tanto é que muitos profissionais e autores denominam esse campo de: Saúde Ambiental. Como agente da área de saúde pública, o médico veterinário deve estar atualizado e preparado frente a essas questões.

O professor de Medicina Veterinária Jairo Gomez, da Universidad de Ciências Aplicadas y Ambientales, da Colômbia, apresentou o tema "As Modificações Climáticas e a Saúde", com dados sobre o efeito das mudanças climáticas na America Latina. Um exemplo é a diminuição acentuada que vem ocorrendo nos últimos anos da cobertura de neve das regiões altas da Cordilheira dos Andes. Esse quadro vem causando um grave impacto social, pois a água proveniente do degelo das montanhas vem diminuindo, levando a seca a regiões habitadas e produtivas, o que, por sua vez, gera fome e miséria, aumentando a possibilidade de veiculação e transmissão de doenças e deslocando esses grupos populacionais para outras regiões e países.

Outro cenário preocupante é a consequência de desastres naturais como as enchentes, furacões, incêndios florestais e secas sobre as populações. Essas situações, que ocorrem frequentemente na America Latina, destacando as que houve nos últimos meses no nosso país, causam mortes, deslocamentos populacionais e perda de infra-estrutura das comunidades, acarretando maior susceptibilidade da população às doenças.

A Organização Mundial da Saúde declara que: “O sistema climático mundial é parte integrante dos processos que mantêm a vida. A mudança climática global é um novo desafio para as atuais iniciativas dirigidas a proteger a saúde humana".

Algumas situações relacionadas às alterações sociais e ambientais já são observadas por pesquisadores na America do Sul:
- A mudança climática afeta a distribuição e a frequência de enfermidades como a Malária e a Cólera;
- As chuvas favorecem a proliferação de grandes grupos de insetos vetores de doenças;
- O aumento da temperatura acelera o metabolismo do vetor e incrementa o número de vezes que esse se alimenta de sangue;
- Presença de dengue, limitada anteriormente a baixas altitudes, em cidades a mais de 1500 metros acima do mar;
- O aumento da incidência de doença de Chagas associado ao desflorestamento e a invasão urbana em áreas de matas;
- Casos de babesiose e anaplasmose a mais de 2200 metros de altitude e;
- Aumento de casos de leishmaniose visceral devido ao deslocamento forçado de humanos e de animais, neste caso, causado pelas guerrilhas.

Frente a esses desafios, o professor Jairo propôs uma integração estreita e eficaz da vigilância epidemiológica e ambiental das enfermidades transmitidas por vetores aos humanos e aos animais nos países da América Latina, observando e analisando as diversas situações socioambientais da região e do mundo. Isso pode ser efetivado através de redes de informações alimentadas por profissionais das áreas de saúde, meio ambiente e áreas afins, com o objetivo de criar e manter uma base de dados completa e atualizada sobre a epidemiologia das doenças que podem afetar as populações latino-americanas.


Por Leonardo Nápoli, médico veterinário membro da Comissão de Zoonoses e Bem-estar Animal (CZBEA/CRMV-PR)
l.napoli@terra.com.br

 


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