Geral
Eutanásia em Animais de Laboratório
Artigo
O questionamento sobre a utilização de animais em laboratórios é crescente no mundo, sendo que à medida que a sociedade adota posturas mais exigentes em relação à proteção animal, aumenta o seu detalhamento. A demanda de mecanismos de controle tende a se acentuar com a ampliação do conhecimento acerca da quantidade de animais empregados e do nível de sofrimento existente. Silla et al (2010) relatam que, em 14 periódicos paranaenses no ano de 2006, foram publicados artigos que dependeram da utilização de diversos grupos taxonômicos de animais (Figura 1), totalizando 216.223 vertebrados. Tal visão de uma pequena amostra dos animais utilizados em pesquisa sugere que estejamos, em nosso País, em uma escala de milhões de animais anualmente.
Figura 1. Porcentual de grupos taxonômicos de animais usados nos procedimentos relatados nos artigos de 14 periódicos científicos publicados no estado do Paraná em 2006. A - Todos os animais; B – Animais vertebrados, exceto peixes, que corresponderam a 75% do total de animais vertebrados (Silla et al, 2010).
Um ponto crítico de bem-estar animal nos laboratórios é a forma de eutanásia, que é utilizada com frequência para tais animais. A Resolução CFMV 876/2008, publicada no DOU em 25/02/2008, modificou a Resolução CFMV 714/2002, que dispõe sobre os métodos recomendados e os aceitos sob restrição para procedimentos de eutanásia em várias espécies animais. Esta alteração, que foi tema de artigo publicado na Revista CRMV-PR, 26ª Edição (2008), demonstra a constante preocupação do CFMV com questões inerentes ao bem-estar animal e com a necessidade de se regulamentar ações médico-veterinárias no sentido de preservar os animais de sofrimento.
A Comissão de Zoonoses e Bem-Estar Animal do CRMV-PR recebeu a solicitação de parecer técnico sobre a utilização de CO2 para eutanásia em animais de laboratório. A dúvida referia-se à alocação do CO2 como método “aceito sob restrição” e não mais como método “recomendado” para eutanásia de roedores. A questão tem relevância porque o referido método é comum para eutanásia de animais de laboratório no Brasil. Entretanto, estudos demonstram o método é aversivo aos roedores. Anestésicos inalatórios, como o halotano e o isoflurano tem sido utilizados para induzir a inconsciência em pequenos animais e podem ser um método apropriado .
Em relação à possibilidade do uso de CO2, convém analisar o entendimento de “aceito com restrições” exarado pela Resolução CFMV nº 714/2002: “Métodos aceitos sob restrição são aqueles que, por sua natureza técnica ou por possuírem um maior potencial de erro por parte do executor ou por apresentarem problemas de segurança, podem não produzir consistentemente uma morte humanitária, ou ainda por constituírem em métodos não bem documentados na literatura científica. Tais métodos devem ser empregados somente diante da total imposssibilidade do uso dos métodos recomendados constantes do anexo I desta Resolução”. Desta forma, a Comissão de Zoonoses e Bem-Estar Animal do CRMV-PR sugere que as instituições de ensino e pesquisa promovam a substituição do CO2 pelos anestésicos inalatórios halotano, isoflurano ou sevoflurano, diluídos em oxigênio. Ressalta-se que o mesmo equipamento destinado ao uso de CO2 pode ser utilizado com os mencionados anestésicos.
Outra dúvida refere-se à Resolução nº 714, quando preconiza a administração barbitúricos ou anestésicos gerais por via intravenosa, com a administração por via intraperitoneal somente em casos excepcionais. A administração intravenosa tem se mostrado, pela práxis dos executores, um procedimento que gera estresse excessivo aos animais, em função das dificuldades técnicas de contenção e punção venosa. A via intramuscular não deve ser utilizada, pois causa dor e necrose local devido ao pH alcalino da solução barbitúrica. Desta forma, recomenda-se que, caso os barbitúricos ou anestésicos gerais sejam utilizados para eutanásia de pequenos roedores, os mesmos sejam administrados pela via intraperitoneal.
A possibilidade de reflexão ética por meio de um grupo de pessoas de diferentes perspectivas, como no caso de uma CEUA incluindo pesquisadores e protetores de animais, adicionada de subsídios técnicos da medicina veterinária representa uma combinação necessária para a melhoria do processo de deliberação quanto à utilização de animais e quanto aos melhores métodos a serem empregados. O posicionamento do Sistema CFMV/CRMVs em tais questões pode colaborar para a qualidade das decisões, para sua coerência em âmbito nacional e para o apoio aos profissionais diretamente envolvidos. Todos estes fatores, em última instância, podem promover um melhor equilíbrio entre a pesquisa de qualidade e a proteção dos animais de laboratório.
Referências
Silla, V.C.B.; Sans, E.C.O., Marthos, S.M.; Polonio, J.D.; Silva, P.C.L.;Molento, C.F.M. Animal Use in Research According to Bibliographic Sampling in the State of Paraná, Brazil. Alternatives to Laboratory Animals – ATLA, aceito para publicação.
Por Méd. Vet. Ricardo Simon, Assessor Técnico CRMV-PR,
Méd. Vet. Carla Molento, Coordenadora do LABEA-UFPR,
Méd. Vet. Stelio Pacca Loureiro Luna, Docente FMVZ-UNESP