Geral
Recomendações para o Planejamento de Ações de Manejo
Artigo
Populações de Cães e Gatos em Áreas Urbanas
O planejamento e execução de ações de manejo das populações de cães e gatos em áreas urbanas são grandes desafios para os gestores municipais. Ações desta natureza se fazem necessárias para tentar minimizar os inúmeros problemas decorrentes do elevado número de animais observados em vias públicas sem supervisão de um tutor ou responsável. A prevenção e controle de zoonoses e agravos que envolvam estas espécies, assim como a garantia de proteção e aumento do bem-estar destas espécies animais devem ser as prioridades das ações propostas.
Tendo em vista que os cães e gatos visualizados em vias públicas podem ser enquadrados como animais semidomiciliados (possuem um responsável que os deixa com livre acesso à rua), animais comunitários (possuem mantenedores com forte vínculo com animais) e animais em abandono, constata-se que as propostas para manejo e controle das populações de cães e gatos só será efetiva com o envolvimento de diversos atores sociais (responsáveis por cães e gatos, criadores de animais, médicos veterinários, zootecnistas e sociedade em geral), e que este envolvimento gere um movimento constante de amadurecimento e incorporação de atitudes de guarda responsável a todas as pessoas envolvidas com a manutenção de animais de companhia.
As atividades de manejo de populações de cães e gatos realizadas no Brasil objetivam, em sua maioria, o controle de zoonoses de relevância, como a raiva e a leishmaniose visceral. Contudo, segundo parecer da Organização Mundial de Saúde (OMS, 2005) não existe evidência que a remoção de cães isoladamente tenha apresentado algum impacto significativo na população canina ou na disseminação da raiva. O fluxo da população é tão grande que mesmo as taxas de captura mais altas relatadas (cerca de 15% da população total) são facilmente compensadas por um aumento na taxa de sobrevivência. Sendo assim, são reconhecidos três métodos para o manejo da população canina: restrição da movimentação, controle do habitat e controle reprodutivo. O raciocínio é reduzir o fluxo da população canina e o número de cães suscetíveis à raiva, através de castração e vacinação. A captura de cães durante estes programas pode tornar-se contraprodutiva, uma vez que cães vacinados e esterilizados podem ser exterminados.
Desta forma, a implementação de um programa de manejo das populações de cães e gatos exige planejamento na:
1. Alocação de recursos
-Financeiros
-Humanos
2. Elaboração de um PLANO DE AÇÃO que englobe a realização de
- Diagnostico situacional, para conhecermos os indicadores e a realidade do território a ser trabalhado, anterior a execução das ações propostas
- Planejamento e execução de ações de controle
- Planejamento e execução de ações preventivas
- Monitoramento das ações realizadas
- Avaliação dos resultados obtidos
- Dedicação permanente
(BEPA, Boletim Epidemiológico Paulista, Programa de Controle de Populações de Cães e Gatos de SP, 2009)
1. A estruturação dos programas e políticas públicas deve ser gerida pelo poder público, porém sua construção e execução devem ser realizadas de forma participativa com a sociedade e setor privado, para que sejam efetivas e eficientes (alocação de recursos) e para que cumpram sua finalidade.
2. As atividades propostas devem ser incluídas no Plano Plurianual da gestão municipal para que desta forma sejam previstos recursos específicos através da inclusão de itens na Lei de Diretrizes Orçamentárias e na Previsão Orçamentária Anual
3. Para que as propostas/programas sejam incluídas no planejamento orçamentário do município, estes devem ser apresentados e discutidos nos Conselhos Municipais de Saúde e Meio Ambiente. Sendo assim, recomenda-se a participação de representantes dos serviços de controle de zoonoses ou da secretaria de saúde e dos serviços de proteção à fauna dos órgãos ambientais nos referidos conselhos, para que se exerça o controle social nas políticas propostas.
4. Considerando o item anterior, recomenda-se a participação ativa de representantes nas Conferências Locais e Municipais de Saúde e Meio Ambiente, identificando problemas que envolvam espécies animais nas localidades da discussão, assim como apresentando propostas relativas ao manejo de populações animais, para que estas façam parte das políticas de governo.
5. Buscar assessoria jurídica especializada para o desenvolvimento de documentos legais, que regulamentem ações prioritárias de manejo de populações animais e de proteção à fauna.
6. Viabilizar instrumentos que possibilitem a aplicação e a fiscalização do cumprimento da lei através de regulamentos e portarias, para que as diretrizes e metas previstas em lei sejam exeqüíveis. Para tal, faz-se necessário a nomeação de profissionais destinados a aplicação de penalidades previstas em lei (fiscais).
7. Conhecer a dimensão da população de animais através da realização de censos ou estimativas populacionais e/ou conhecer dados regionais produzidos por municípios vizinhos.
8. Conhecer indicadores que reflitam a dinâmica das populações de cães e gatos, como índice de natalidade, mortalidade, migração e abandono de animais. Para o levantamento destes indicadores, recomenda-se a utilização de programas de bioestatística, assim como o mapeamento do município em subdivisões conforme cenário para o levantamento dos dados.
9. Implantar programa de registro e identificação de animais para obtenção de um sistema de informação com dados que relacionem os tutores ou responsáveis aos seus animais (Portaria nº 1.172/2004, Ministério da Saúde). Viabilizar que este programa identifique os animais no momento de sua aquisição (compra, adoção). É recomendável que se associe um método de identificação visual (coleira e plaqueta) a um permanente (microchip ou tatuagem).
10. Realizar educação continuada humanitária e sensibilizante em guarda responsável, bem-estar-animal, manejo ambiental de animais sinantrópicos e promoção da saúde a partir do desenvolvimento de estratégias de comunicação para adultos e crianças. Contribuir para a inserção destes temas na grade curricular de ensino municipal.
11. Executar programa permanente de controle reprodutivo de cães e gatos em parceria com universidades, estabelecimentos veterinários, organizações não-governamentais de proteção animal e com a iniciativa privada. Para o planejamento deste programa faz-se necessário o conhecimento da dimensão da população de ambas as espécies, para dimensionar volume de procedimentos e priorizar grupos a serem trabalhados. Essa atividade deve observar as regulamentações e resoluções do sistema CFMV/CRMVs.
12. Disponibilizar serviços próprios (veículo) ou parcerias que viabilizem acesso geográfico e econômico facilitado à população, para a realização das cirurgias de esterilização;
13. Desenvolver ações com vistas ao controle da criação e comércio de animais, associados aos programas educativos, com objetivo de promover aquisição responsável de animais (evitando a aquisição por impulso) e conseqüentemente a guarda responsável.
14. Conhecer e fiscalizar pontos permanentes e temporários (feiras) de venda, doação e adoção de cães e gatos.
15. Realizar, quando possível, ações de recolhimento seletivo de cães e gatos, ou seja, planejar o recolhimento de animais que estejam em risco ou colocando em risco a população humana e de outros animais. Considera-se animais em situação de risco os atropelados, invasores, agressivos e em estado de saúde comprometido.
16. Realizar ações para prática dos 4R’s em relação a animais abandonados: resgate, recuperação, reabilitação/ressocialização e reintrodução na sociedade por meio de programas de adoção orientada e acompanhada.
17. Identificar animais mantidos pela comunidade para a realização de parceria com o poder público na execução de programas como o cão comunitário, que visa estabilizar a população destes animais nos locais em que são mantidos, uma vez que os animais controlam a entrada de novos animais ao grupo mantido; utilizando-os enquanto barreiras sanitárias ao fornecer cuidados veterinários básicos como vacinação, vermifugação, controle de ectoparasitos; e barreira reprodutiva ao submetê-los a métodos de esterilização permanente; fortalecendo o vínculo já existente.
18. Desenvolver Programas de Saúde Animal, promovendo mecanismos que proporcionem o acesso aos serviços veterinários curativos e preventivos como: vacinações contra raiva e doenças espécie-específicas, controle de endo e ecto parasitas; ações para prevenção e controle de zoonoses, ações para prevenção de comportamento animal indesejável (educação e obediência) e soluções para problemas comportamentais, atuando preventivamente ao abandono.
19. Realizar capacitação em manejo etológico aos profissionais que trabalham diretamente nas atividades de manejo das populações de cães e gatos.
20. Incentivar a participação da comunidade, organizações não-governamentais, médicos veterinários, zootecnistas e criadores de animais nas políticas propostas.
21. Garantir que programas, políticas públicas e leis que disciplinam as ações de manejo de populações animais assegurem o atendimento aos preceitos de bem-estar animal (cinco liberdades), visando garantir a saúde e a segurança pública, a preservação do meio ambiente e o resguardo da ordem social.
22. Planejar em parceria com órgãos ambientais plano municipal de gerenciamento de resíduos de origem animal como cadáveres e carcaças de cães e gatos, incluindo animais com tutores e animais em situação de abandono, considerando leis ambientais de manejo de resíduos.
23. Incentivar a inclusão do profissional médico veterinário nas ações estratégicas de saúde da família, aproximando-o à comunidade, facilitando o manejo das populações animais, assim como o desempenho e execução de programas zoosanitários, os quais podem ser realizados junto as Unidades Básicas de Saúde e/ou Núcleos de Assistência a Saúde da Família, propiciando um impacto em Saúde Pública Veterinária e Saúde Única.
Diante de tais recomendações é possível obter enfoque ético no manejo das populações animais, por meio da humanização dos serviços de controle de zoonoses, resgate do respeito à vida dos usuários envolvidos (seres humanos e animais), e promoção de comportamentos de harmonia entre animais, meio ambiente e seres humanos que são reflexo de cidadania e do grau de desenvolvimento de uma sociedade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AMAKU, M.; DIAS, R. A.; FERREIRA, F. Dinâmica populacional canina: potenciais efeitos de campanhas de esterilização. Pan Am J Public Health 25(4), 2009
Brasil. Ministério da Saúde. Portaria GM nº. 1.172 de 15 de junho de 2004. Disponível em http://gtr2001. saude.gov.br/sas/PORTARIAS/port2 004/GM/GM-1172.htm
Comitê de expertos de la OMS sobre rabia: octavo informe. OMS. Genebra: OMS, 1992. v. 824, p. 1-88.
Eliminación de la rabia humana transmitida por perro em América Latina: Análises de la situación. Washington DC: OPAS, 2005. 73p. Disponível em http://www.paho.org/Spanish/AD/DPC/VP/rabia-sit.htm.
GARCIA, R.C.M; MALDOMADO, N.A.C.; LOMBARDI, A. Controle Populacional de Cães e Gatos – Aspectos éticos. Ciênc. vet. tróp., Recife-PE, v. 11, suplemento 1, p.106-110, abril 2008.
GARCIA, R.C.M; Estudo da dinâmica populacional canina e felina e avaliação de ações para o equilíbrio dessas populações em área da cidade de São Paulo – Brasil. Tese apresentada ao Programa de Pós-graduação em Epidemiologia experimental aplicada às zoonoses da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo para obtenção de título de doutor, 2009.
Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo. Programa de Controle de Populações de Cães e Gatos do Estado de São Paulo. São Paulo, Boletim Epidemiológico Paulista, 2006. 165p.
VIEIRA, A.M.L. Controle Populacional de Cães e Gatos – Aspectos técnicos e operacionais. Ciênc.vet.tróp., Recife-PE, v.11, suplemento 1, p.102-105, abril 2008.
Por Comissão de Zoonoses e Bem-Estar Animal (CZBEA/CRMV-PR)