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O Rio Tietê que ainda tem peixes
Quem mora na capital e conhece só o trecho do Rio Tietê que corta a cidade, tão poluído, dificilmente imagina que peixes deste mesmo rio são consumidos no País e no exterior. Os nova-iorquinos compram, semanalmente, mais de 3 toneladas de filés de tilápias frescas, retiradas um dia antes das águas do rio.
O filé do mesmo peixe, comprado no supermercado, ou inteiro, na Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais do Estado de São Paulo (Ceagesp), e até o sashimi saboreado no restaurante do Bairro da Liberdade, na capital, também saem do mesmo rio.
"A população paulistana consome, em média, 200 toneladas de tilápias saídas do Tietê por semana", confirma o proprietário da Biriba Pescados, Antônio Carlos Vicente. Só a Biriba Pescados, uma das maiores bancas de peixes da Ceagesp, é responsável pela comercialização semanal de 10 toneladas de peixes do Tietê. Com a Semana Santa, diz Vicente, esse total aumenta em 33%.
Polo piscicultor. A cerca de 500 quilômetros da capital, as águas limpas do Tietê, a noroeste do Estado, abrigam uma próspera cadeia piscicultora. Nos últimos cinco anos, pelo menos 30 fazendas de reprodução e engorda de tilápias - a variedade gift foi a escolhida pelos piscicultores - foram instaladas na águas do Tietê, e dois grandes frigoríficos já foram construídos em suas margens.
Hoje, é possível encontrar desde alevinos de uma linhagem criada exclusivamente no Rio Tietê a saborosos filés de tilápias, vendidos em restaurantes especializados.
"Embarcamos 3 toneladas de filés frescos para Nova York por semana. Peixes que retiramos de nossa fazenda de engorda em Buritama e que, num prazo de 24 horas, estão à disposição dos americanos nos supermercados", diz o gerente-geral da Tilápias do Brasil, Marcelo Sanches da Silva. O frigorífico foi o primeiro a ser instalado no Tietê, há cinco anos, em Buritama, a 556 quilômetros a noroeste de São Paulo. Segundo Silva, 95% da produção mensal de 45 toneladas de filés é vendida para São Paulo. Na Semana Santa, que acabou de passar, esse volume aumenta para 60 toneladas.
Linhagem própria. Grande parte desses peixes sai da Piscicultura Aracanguá, de Santo Antônio do Aracanguá, pouco acima de Buritama, na mesma margem do rio. A Aracanguá é uma das maiores fazendas de reprodução do País. Os 226 tanques de 18 metros cúbicos em terra e dentro do Córrego das Cruzes, um afluente banhado pelo Tietê, produzem 8 milhões de alevinos e 3,5 milhões de tilápias juvenis por ano. Toda a água usada na fazenda sai do Tietê e passa por sistema de recirculação. "Nossa produção vai para grandes fazendas de engorda de produtores e dos maiores frigoríficos de São Paulo, Minas, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Paraná, Santa Catarina, Rio e Espírito Santo", diz um dos proprietários da Aracanguá, Marcelo Lopes Moreira.
De acordo com Moreira, 20% desse volume é destinado à produção de tilápias vermelhas, de uma linhagem própria, feita exclusivamente pela Aracanguá. A linhagem foi obtida após cruzamentos e melhoramentos genéticos realizados no exterior.
"É o resultado de 15 anos de seleção, com variedades não vermelhas e mutações da espécie nilótica (do Rio Nilo), feitas por meio de pesquisas de melhoramento genético na Flórida (red line), Honduras e Equador. Importamos as matrizes e depois de muito trabalho conseguimos adaptar e fazer nossa própria linhagem."
Mais sensível. "Comparada com a tilápia comum, ela tem crescimento mais lento, dá mais trabalho no manejo, porque é mais sensível, e, por isso, tem um custo de produção maior. Em compensação, por causa da coloração diferenciada dessa linhagem, ela consegue valor comercial até 20% maior", diz Moreira. "É que, aos olhos do consumidor, seja na Ceagesp ou num restaurante oriental, ela atrai muito mais."
Moreira esclarece, porém, que, apesar do maior valor comercial, a carne da tilápia vermelha tem o mesmo sabor do da tilápia comum.
Na Aracanguá, os alevinos nascem depois de retirados das bocas das matrizes, ainda como ovos. Cada matriz põe uma média de mil a 1.200 ovos a cada 12 dias, de outubro a maio. "Elas guardam os ovos na boca como forma de proteção e para oxigenação", explica o responsável pela produção da Aracanguá, Rodrigo Xavier.
Depois de retirados, os ovos eclodem em laboratórios. Um ou dois dias depois, as larvas são colocadas nos raceways, tanques de grande fluxo de água. "Entre o ovo e o nascimento da larva, há perda de 50%", diz Xavier.
Depois de 25 dias, as larvas tornam-se alevinos, quando então, depois de classificados, são comercializados ou vão para tanques em terra ou tanques-rede. Neste período, mais perda: 30%. "Os juvenis ficam 45 dias até atingirem 6 gramas de peso. Esse tempo é para adaptação do peixe, que, ao sair, vai encontrar ambiente semelhante. Aqui, a perda também é de 30%", afirma Xavier.
A mortandade, explica o piscicultor, embora possa parecer alta, é bem menor do que na natureza, onde atinge 98%.
Fonte: Estadão Online