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Clima e doenças emergentes
Relacionadas entre si, as mudanças climáticas globais e as mudanças do uso do solo podem alterar a abrangência geográfica de determinadas doenças infecciosas. Nesse contexto, um grupo de pesquisadores brasileiros está estudando as alterações do mapa epidemiológico de duas doenças infecciosas emergentes na Amazônia Ocidental.
O objetivo é desenvolver um sistema de alerta precoce para as doenças, viabilizando a adaptação aos impactos negativos das mudanças ambientais sobre a saúde humana.
O Projeto Temático, financiado pelo Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG), é coordenado por Manuel João Cesário, professor do programa de mestrado em Promoção de Saúde da Universidade de Franca (Unifran). Em estágio inicial, os estudos serão concluídos no fim de 2014.
De acordo com Cesário, o projeto monitora as mudanças ocorridas no mapa epidemiológico da bartonelose e da leishmaniose cutânea na região da tríplice fronteira, entre Brasil, Bolívia e Peru. As duas doenças são transmitidas pelo mesmo vetor: os mosquitos flebotomíneos do gênero Lutzomyia.
A bartonelose, doença emergente originária dos Andes, é causada pela bactéria Bartonella bacilliformis e provoca fraqueza, anemia, febres e calafrios. A doença, também conhecida como “verruga peruana”, pode se apresentar na forma conhecida como “bartonelose verrucosa”, produzindo lesões que se assemelham a tumores de pele.
A leishmaniose, zoonose comum a humanos e cães, é causada por protozoários flagelados do gênero Leishmania e pode adquirir a forma visceral ou cutânea. Esta última, também conhecida como “úlcera de Bauru”, gera lesões na pele e pode se manifestar como lesões inflamatórias nas mucosas do nariz ou da boca.
“O objetivo do estudo é desenvolver um sistema de alerta precoce para essas doenças diante das profundas mudanças socioambientais que essa região está enfrentando. Além dos impactos das mudanças climáticas globais e do desmatamento, há impactos causados por mudanças sociais profundas em virtude de grandes projetos de desenvolvimento e intensos fluxos migratórios na região”, disse Cesário à Agência FAPESP.
A leishmaniose cutânea, abundante em regiões mais próximas da costa brasileira, ainda não chegou à região estudada, mas está avançando para o oeste. A bartonelose, por outro lado, é prevalente no Peru e, em tese, não existe no Brasil, nem na Bolívia. Mas está avançando para o leste.
“Houve um crescimento importante da bartonelose entre 2004 e 2005 e especula-se que isso teve relação com o fenômeno El Niño, que muda o regime de chuvas e de temperatura na região durante alguns meses do ano. Essa mudança pode ter algum impacto na reprodução dos vetores e, com mais mosquitos, a transmissão é facilitada e a doença aumenta. Entretanto, ainda não temos certeza se a doença avançou porque os vetores mudaram de lugar ou se apareceram novos vetores”, explicou.
No entanto, é improvável que as mudanças sejam causadas por um só fator, de acordo com Cesário. Um dos objetivos do projeto é investigar, nos próximos anos, quais são os fatores mais importantes para o avanço das doenças em novas áreas.
“A região que estudamos tem sofrido mudanças socioeconômicas consideráveis, com a construção das estradas BR 364 e BR 317 e a implantação de duas hidrelétricas, que levaram para Rondônia mais de 100 mil pessoas nos últimos três anos. Por conta dessas duas grandes obras, a população do município de Porto Velho, que era de 500 mil pessoas, subiu cerca de 20% nesse período”, disse Cesário.
A construção de estradas, por outro lado, afeta a cobertura do solo, segundo o professor. “Estudos mostram que 80% do desmatamento de florestas na Amazônia ocorre em áreas situadas a menos de 50 quilômetros de alguma estrada”, apontou.
Além da explosão demográfica ocasionada pelos projetos de infraestrutura, a região, segundo Cesário, também tem sofrido mudanças radicais na cobertura do solo, que influenciam diretamente as mudanças no clima da região, com reflexos na distribuição dos vetores das doenças.
“Por outro lado, as alterações no clima também influenciam as mudanças na cobertura do solo – porque a floresta fica mais suscetível ao fogo, por exemplo. É possível que tudo isso influencie diretamente na biologia desses vetores. Por isso, ao mesmo tempo em que investigamos as causas das mudanças, também investigamos suas consequências”, afirmou o cientista.
Sistema de alerta
Como as variáveis são muito complexas, o projeto exige uma equipe essencialmente multidisciplinar. O grupo reúne especialistas com experiência em áreas tão diferentes como epidemiologia, estatística e modelagem e mapeamento espaço-temporal de doenças.
“Não se trata apenas de aplicar métodos epidemiológicos, mas também de trabalhar com métodos de sistemas de informações geográficas – para conseguir fazer os mapeamentos – e métodos estatísticos, para conseguir levantar as áreas de risco e, consequentemente, fazer um mapeamento de risco das doenças. Se conseguirmos chegar a esse ponto, teremos métodos de modelagem para prever a abrangência das doenças no futuro, permitindo também traçar cenários e planejar a adaptação”, explicou Cesário.
Segundo ele, se o grupo conseguir desenvolver um sistema de alerta, baseado em métodos com grande abrangência de ferramentas e de capacidade diferenciada de tratar dados, os resultados do projeto poderão servir como referência metodológica para outros estudos e os métodos poderão ser adaptados para aplicação em outras regiões e outras doenças.
“Uma necessidade preliminar do projeto é ter acesso a dados climáticos da região, como temperatura, precipitação, umidade do solo e do ar e regime de ventos entre 2000 e 2012. Também estamos fazendo um levantamento dos dados de satélite relacionados a mudanças no uso do solo no mesmo período”, disse Cesário.
Fonte: Fapesp