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Bolsa família cresce dez por cento


Publicado em: 24/10/2012 12:45 | Categoria: Geral | Autor: Ana Maria Ferrarini

 


O programa Bolsa Família completou no sábado, dia 20, nove anos de existência, com status de intocável dentro do governo e permissão para gastar no próximo ano 10% a mais que neste. O programa, que atende 13,5 milhões de famílias na linha da pobreza, custou R$ 20 bilhões em 2012 — o correspondente a 0,46% do Produto Interno Bruto (PIB) previsto para este ano.

Tereza Campello, ministra do Desenvolvimento Social desde 2011, é hoje uma das pessoas mais ligadas ao programa e à sua história. No PT desde sua fundação, a economista nascida na cidade paulista de Descalvado foi uma das responsáveis por elaborar e implementar o Bolsa, criado por medida provisória em 2003 e por lei desde janeiro de 2004.

Em entrevista ao Valor, a ministra fez um balanço do programa e falou sobre o que considera ser a derrubada dos mitos criados após sua implementação, como o “efeito preguiça”, e em como a vigilância da sociedade ajudou a desenvolver o sistema e a métrica usados nos cadastros. “Todo gasto tem uma marquinha no Ministério da Fazenda, exatamente para não sofrer contingenciamento.”
Daniel Wainstein/ValorTereza Campello: "Nenhum recurso nosso está sendo contingenciado"

Tereza comemorou o desempenho dos alunos do Bolsa em relação à média das escolas públicas, constatado no último Censo, de 2010. A taxa de evasão escolar para os alunos do programa era de 7,2% para alunos do Ensino Médio e de 3% para alunos do Ensino Fundamental. No mesmo ano, a média geral era de 11,5% para o Médio e de 3,5% para o Fundamental. O resultado, afirmou, ficou acima do esperado. A seguir, os principais trechos da entrevista:

Valor: Qual a avaliação dos nove anos do programa Bolsa Família? Quais foram os erros e acertos no período?

Tereza Campello: É difícil encontrar uma política social no Brasil que tenha sido tão avaliada. Há dezenas de teses de mestrado e doutorado sobre o tema, além de a imprensa e o Tribunal de Contas também terem ficado em cima. Isso nos dá muita tranquilidade para analisar. O programa só trouxe resultados positivos para o Brasil, pois garantiu que as famílias tivessem comida três vezes por dia. Garantiu também duas frentes em que tínhamos expectativas: melhorar o desempenho escolar e diminuir a desnutrição das crianças. É difícil levantar alguma coisa que o programa tenha errado, apesar de eu ser suspeita para dizer.

Valor: Uma das críticas ao programa é que ele não apresenta porta de saída aos beneficiários...

Tereza: A entrada e a saída são permanentes. Em torno de 5 milhões de famílias saíram do programa desde 2003, que começou com 4,5 milhões, veio crescendo e hoje tem 13,5 milhões de famílias. Parte dessas que se desligaram podem ter voltado, não há regras quanto a isso. As famílias têm direito a ficar dois anos no programa sem se recadastrar desde que cumpram as condicionalidades e mesmo que a renda tenha melhorado no período. Esse tempo é grande em função da volatilidade e vulnerabilidade de renda dessa população. A família acaba se desligando definitivamente quando atinge estabilidade de renda maior.

Valor: Os alunos do Bolsa Família apresentam menor índice de repetição de ano e evasão escolar do que o total de estudantes matriculados no ensino público brasileiro. Por quê?

Tereza: A ideia de fomentar o desempenho escolar como contrapartida existia em 2003. Mas não dava para termos esse tipo de acompanhamento, pois não havia um sistema para verificar a frequência das crianças. Fomos evoluindo e mudando o cadastro geral, que está em sua sétima versão e neste ano ganhou um conjunto de informações, como a origem e a ocupação das famílias. Atualmente recebemos a cada dois meses informações das frequências de todas as escolas que possuem alunos do programa, com exceção de algumas muito isoladas. São 15 milhões de estudantes acompanhados por bimestre. Uma das ferramentas de contrapartida foi a frequência mínima exigida (85%), que hoje é maior que a do sistema geral (75%). Quando pensamos o programa era desejável que tivéssemos redução da evasão e melhoria na frequência para que as crianças do Bolsa se igualassem às demais. O que nos surpreendeu foi esse desempenho superior.

Valor: A que se deve isso?

Tereza: São vários fatores. A mãe estimula os filhos a estudarem, pois as famílias com crianças de até 15 anos que não tiverem a frequência mínima perdem o benefício. Então, desde cedo essa criança foi aprendendo o valor de ir à escola. Já a evasão que acontece a partir dos 15 anos faz com que a família perca apenas o valor destinado a esse jovem, porque com essa idade o controle familiar é mais difícil. Isso é um refinamento do programa que não havia no começo, por exemplo. E é justamente no perfil abaixo de 15 anos que temos desempenho melhor, o que mostra que a família não apenas está se convencendo de que a presença em sala de aula é importante como está conseguindo passar isso ao jovem.

Valor: Como o Brasil sem Miséria e o Bolsa Família se complementam?

Tereza: O Brasil Carinhoso, que é um dos 16 programas do Brasil sem Miséria e fornece auxílio para a segurança alimentar das crianças de zero a seis anos, pegou um gancho interessante. Não teríamos conseguido sem os nove anos do Bolsa. Por causa do cadastro único e sua penetração, anunciamos em um mês e no seguinte já realizamos os primeiros pagamentos. Se a criança nascer e a mãe registrar, temos esse dado hoje online, que vai direto para o cadastro. Assim conseguimos tirar as informações de renda para complementá-la. Vemos o rendimento da família, o benefício que ela já recebe, o número de pessoas pertencentes a ela e quanto falta para chegar a R$ 70 por membro. É uma conta hiperelaborada. Teve gente que recebeu R$ 12 a mais, outras mais e por aí vai. Conseguimos isso em um mês por causa da tecnologia social que desenvolvemos. E esse programa vem como um passo adiante na formação, pois antes conseguimos universalizar as crianças de sete a 15 anos em salas de aula. Hoje falta creche para todas as crianças do Brasil. Pelos dados do Censo de 2010 tínhamos em torno de 23% das crianças brasileiras atendidas. A métrica mundial recomenda que 50% esteja nesse pré-ensino.

Valor: Então é necessário dobrar o número de vagas no país...

Tereza: É que em geral quem mais precisa está fora da creche. Por isso estamos pagando a mais para garantir os estímulos de vagas às crianças.

Valor: Os cursos do Pronatec previstos para integrar o Brasil Sem Miséria até março haviam preenchido 82 mil vagas das 1 milhão previstas até o fim de 2014. Qual o último balanço do programa?

Tereza: Temos 550 mil vagas abertas para este ano, com 209 mil delas preenchidas. Em março tínhamos acabado de abrir o plano, nunca tinha sido feito nesse volume. Esses cursos têm sido ocupados por jovens entre 18 e 35 anos, sendo que mais de 70% desse público é de mulheres jovens negras, o que também mostra uma preponderância da mulher dentro da família.

Valor: Com o crescimento econômico do país e a ampliação dos programas sociais, parte considerável da população de baixa renda deixou a pobreza extrema. O governo está pensando em saídas do programa?

Tereza: Isso está começando a acontecer. A grande maioria se desligou porque conseguiu emprego melhor. No entanto, 56% do público do Bolsa Família tem menos de 18 anos. A porta de saída para esse perfil é a escola. Por esse ponto de vista, construímos portas de saída para mais da metade do nosso público. Se é que queremos discutir isso, pois o Bolsa foi a porta de entrada dele para a cidadania. Por outro lado, daqueles com mais de 18 anos 72% que estão no Bolsa trabalham. Então não é verdade que quem entra no programa para de trabalhar. Há essa percepção de que a pessoa é pobre por não trabalhar. Errado: ela é pobre em geral porque trabalha em um emprego vulnerável ou degradante. E muitas vezes foi o programa que a ajudou a ter emprego melhor. A renda e o emprego aumentaram mais no Brasil exatamente nas cidades onde há maior presença do Bolsa, provando ele não é incompatível com o emprego.

Valor: Então houve má interpretação do Bolsa Família?

Tereza: Sim. Hoje pouca gente tem coragem de falar contra ele. Não só porque os dados comprovam que os mitos eram furados, como o mundo vem nos visitar por causa dele. Há instituições sem compromisso com o governo que o recomendam, como a ONU e o Banco Mundial. Isso é uma mostra do sucesso.

Valor: As críticas ajudaram a solidificar o programa?

Tereza: Não acho que as pessoas queriam acabar com ele. Elas diziam o que acreditavam. Por exemplo, elas acreditavam que o Bolsa aumentava o número de filhos. Hoje o Censo mostra que a queda de natalidade aconteceu principalmente na população pobre do Brasil, que registrou redução muito maior do que nas outras faixas de renda. Está provado que o programa não aumentou o “efeito preguiça”, ou seja, que as pessoas pararam de trabalhar por receber o benefício. Está provado que as famílias não usam o dinheiro para gastar mal, pois as pesquisas indicam melhora de alimentação das famílias, assim como maior aquisição de materiais usados em higiene pessoal e educação.

Valor: O Bolsa atinge um em cada quatro brasileiros. Qual o orçamento previsto para 2013?

Tereza: O programa tem neste ano R$ 20 bilhões de verba, com ampliação de R$ 2 bilhões em relação a 2011. Para o ano que vem o orçamento está em R$ 22 bilhões.

Valor: Somente a desoneração da folha de pagamentos deve fazer com que a Receita deixe de arrecadar R$ 12 bilhões em 2013. Como sua pasta se insere nesse cenário de possível desaceleração da arrecadação?

Tereza: Não tivemos redução de nenhum item do Brasil Sem Miséria neste ano e nem teremos em 2013. Ampliamos verbas para todos os programas. Nossa avaliação é de que os repasses não vão estagnar, pois a ampliação da demanda agregada do país melhora a arrecadação. Esse debate de que gasto social atrapalha o Estado não se verificou. Temos um estudo que mostra que R$ 1 aplicado no Bolsa faz retornar R$ 1,44 para a economia, que gera impostos e alimenta o governo novamente.

Valor: A pasta está blindada dentro do orçamento?

Tereza: Nenhum recurso nosso está sendo contingenciado ou tem perspectiva de ser. E temos isso anotado no orçamento do ano que vem. Todo gasto do Brasil Sem Miséria tem uma marquinha no Ministério da Fazenda, exatamente para não sofrer contingenciamento. Isso a presidenta já tem anunciado, assim como a Miriam Belchior [ministra do Planejamento] e o Mantega. Hoje todos os materiais da Fazenda possuem um capítulo social. Há a percepção de que esse tipo de gasto cria um movimento dinamizador na economia, pois gera novos consumidores.

Valor: Então há um papel do gasto social para a economia em um cenário como o deste ano, de crescimento abaixo das previsões iniciais?

Tereza: Primeiro, há o efeito tradicional. O dinheiro do Bolsa vai para gastos básicos e elementares e não se reduz com crise. Pelo contrario. Esses R$ 20 bilhões vão direto para a economia. Não há comerciante e empresário falando mal do programa. Tem cidade no Brasil em que no dia do mês que começa a entrar o Bolsa verifica-se um boom na economia local. Há milhares de cidades brasileiras com baixo desenvolvimento econômico e dinâmica fraca. Ou seja: há sempre um patamar de renda garantindo a economia rodar. Outro efeito é que isso está espalhado pelo Brasil, garantindo um nível descentralizado de distribuição da dinâmica fomentada por esse colchão de renda. Um dos fatores de o Brasil estar crescendo no interior é o espalhamento do Bolsa.

 

Fonte Valor Econômico


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