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ESPECIAL ZOOTECNIA - Entrevista com Dayanne Almeida
Paranaense de 35 anos, a zootecnista Dayanne Almeida formou-se na Unesp em Botucatu. Ao concluir o curso conseguiu um estágio de um mês na Nova Zelândia, país que é referência na pecuária de ovinos – e está há dez anos por lá. Hoje trabalha na Fazenda Wairere e, por meio de um canal no Facebook, Instagram e YouTube, compartilha conhecimentos e divulga informações sobre ovinocultura para profissionais e estudantes. Anualmente, vem ao Brasil para participar da Maratona Ovinocultura em Foco: palestras, debates e discussões, seguidas de dias de campo voltados ao aprimoramento da ovinocultura no país. Mulher e imigrante, medindo pouco mais de 1,50m, se impôs pela competência, garra e disposição.
A história de Dayanne com a Zootecnia remonta a 2004, quando ingressou na faculdade após abandonar o curso de Medicina. Sem nenhum histórico ou vivência no campo, via-se assombrada pela “síndrome do impostor”, insegura em relação à própria capacidade, e compensava trabalhando em todo tempo vago que tivesse. Queria descobrir logo uma área com a qual se identificasse, para não perder tempo. Ao se formar, acumulava mais de 1.500 horas de trabalho – a maioria, voluntário – e também na organização e participação de eventos e cursos extras. Isso lhe valeu contatos importantes, estratégicos e postura profissional antes mesmo de se formar. “Pensar na minha história me lembra os inúmeros estágios ‘no fim do mundo’, como diziam meus pais durante minhas férias; do cheiro da terra molhada, do curral e da surpresa em saber que existia uma ciência atrás de tudo aquilo”, diz.
Essa avidez por destrinchar o universo da Zootecnia levou com que, ainda no primeiro ano, envolvida com a empresa júnior de nutrição de ruminantes, percebesse que a ovinocultura brasileira era muito carente de técnicos qualificados e dispostos a trabalhar junto aos produtores. E recorda: “Escolhi a ovinocultura pelo desafio diante de um potencial adormecido, pela eficiência produtiva da ovelha e pelo amor que a atividade desperta em mim. Antes mesmo de me formar, em 2008, já havia encontrado minha missão”.
Logo que concluiu o curso, em 2009, resolveu tentar um estágio na Nova Zelândia, país que é referência no tema: “Meu interesse em conhecer a atividade onde ela é excelência me fez enviar mais de 500 e-mails para diferentes propriedades no ‘país das ovelhas’. Uma fazenda me aceitou”. Assim se foram dez anos. Há cinco anos, Dayanne está na Fazenda Wairere, maior provedora de genética ovina na Nova Zelândia, comercializando três mil reprodutores por ciclo produtivo.
Para quem está começando na Zootecnia, Dayanne avisaria: empenho, força de vontade, paixão, determinação, persistência, capacidade de se diferenciar e, acima de tudo, comprometimento levam à realização profissional. “Trabalhe com a certeza de que está dando tudo o que pode, mesmo não tendo todas as respostas. Como gosto de dizer para o pessoal que está iniciando: ‘estude e faça cerca’ [isto é, coloque a mão na massa]. Não existe sucesso sem sacrifício, sem dedicação, assim como não existe mudança sem transformação. O conhecimento liberta, mas apenas o trabalho tem o poder de nos transformar”, conclui.
O que o Brasil pode aprender com a ovinocultura da Nova Zelândia?
“Na NZ, trabalham o manejo nutricional de forma exemplar e a seleção de animais orientada para a produtividade, com um dos sistemas de avaliação genética de ovinos mais renomados do mundo. Criaram uma organização gerida e financiada pelos próprios produtores (sem depender de iniciativas governamentais) e utilizam o dinheiro arrecadado, principalmente, para programas de extensão rural, parceria com centros de pesquisa para ligar a universidade ao campo (financiam pesquisas e oferecem fazendas privadas para experimentação) e desenvolveram um programa de melhoramento genético efetivo, via centrais de teste de progênie, entre outros, para a seleção de matrizes e reprodutores por meio do desempenho zootécnico do animal dentro da realidade onde será inserido.
Esse país, que tem 1/32 o tamanho do Brasil, produz 700 kg de carne (ovinos e bovinos) por hectare, com 70% dos cordeiros produzidos provenientes de regiões de terrenos montanhosos em condições climáticas severas. Em 20 anos, o ganho genético geral produtivo por matriz foi de 86%, com menos da metade do rebanho inicial que tinham na década de 1970.
Podemos ver através dos erros e acertos deles. Ainda me lembro da expressão no rosto de um produtor neozelandês que levei ao Brasil, uns oito anos atrás, ao entrar no pavilhão da extinta Feira Internacional de Caprinos e Ovinos (Feinco): “Parece que voltei 40 anos no tempo”. O que pode dar muito certo no Brasil é utilizar os conceitos de produção que giram em torno da eficiência produtiva e parar de fazer mais do mesmo, priorizando e incentivando animais testados via centrais de teste de progênie, trazer sangue novo, além de incentivar e valorizar a extensão rural e aproximar o produtor de pesquisadores e alunos.”
A importância do zootecnista na produção animal e na ovinocultura
“A Zootecnia tem enorme peso dentro de produção animal por focar principalmente no tripé: nutrição, manejo e seleção. O zootecnista age de forma estratégica, identificando os principais gargalos dentro e fora da porteira, trabalhando para a maximização dos pontos fortes e sugerindo as mudanças necessárias para diminuir perdas.
A ovinocultura brasileira é carente de profissionais qualificados e dispostos a trabalhar diretamente com os produtores. O zootecnista se torna peça fundamental para maximizar a eficiência produtiva do rebanho, via planejamento nutricional; conectar o produtor com as instituições de ensino e pesquisa; promover o trabalho em grupo, via compartilhamento de informações, boas práticas de manejo para um melhor escoamento de produção e máxima rentabilidade do negócio.”
Case – Canal Sheepnutter // Maratona Ovinocultura em Foco
Nas redes sociais, Dayanne compartilha sua rotina de trabalho na fazenda e projetos na ovinocultura, divulgando orientações, vídeos e gráficos. O sucesso do perfil pessoal acabou gerando a criação do canal Sheepnutter – Ovinocultura em Foco (termo que ela inventou e, em português, significaria algo como “fanática por ovelhas”). A página no Facebook conta com 15 mil seguidores e no Instagram, são 7,5 mil. No YouTube, seus vídeos já foram assistidos quase 30 mil vezes, mas por dificuldades de conexão no local onde vive, ela posta pouco. “É também um canal de discussão sobre a produção de ovinos no Brasil e nos países onde a atividade é de excelência. Foi a maneira que achei para contribuir de forma voluntária com meu país, mesmo de longe”, diz ela, que também promove “lives” de cunho motivacional, dirigidas a estudantes.
O sucesso on-line rendeu convites para palestras no Brasil. Devido à distância, resolveu concentrar esses encontros num único evento, em várias cidades. E foi assim que suas férias anuais são passadas na Maratona Ovinocultura em Foco, uma sequência de eventos (palestras, conferências, seminários e rodas de discussão, geralmente seguidos de dias de campo) em que compartilha o que aprendeu e vivencia, dentro do que pode ser adaptado para o Brasil. Banca de seu bolso a passagem internacional e organiza uma logística que permite comparecer a várias cidades num período de três a quatro semanas, em troca apenas de passagens domésticas, alimentação e hospedagem.
Em 2018, participaram da maratona mais de 2,9 mil pessoas em 21 eventos, promovidos em 19 cidades do Brasil e em Ciudad del Leste, no Paraguai. Às vezes, são três eventos em municípios diferentes, no mesmo dia. O nome não surgiu à toa. “Há uma necessidade imensa por conhecimento técnico de qualidade, de fácil acesso e imparcial aos produtores. Sinto-me no dever de ajudá-los”, assinala. A Maratona Ovinocultura em Foco de 2019 será em agosto e deve ocorrer em mais de 30 cidades.
Foto: Arquivo pessoal.