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Uso de animais como cobaias ainda é necessário


Publicado em: 18/10/2007 10:17 | Categoria: Geral

 


A discussão sobre os limites éticos desse uso voltou à tona na semana passada, quando o Nobel de Medicina foi concedido aos cientistas Mario Capecchi, Oliver Smithies e Martin J. Evans. Eles receberam o prêmio pela criação de uma técnica que permite simular em camundongos algumas doenças, de modo a identificar o efeito de certos genes sobre a saúde humana.

Não há dados sobre o número de animais utilizados em estudos no Brasil. Nos Estados Unidos, em que a produção científica é mais intensa, de 17 milhões a 23 milhões de cobaias são utilizadas todos os anos, conforme dados do governo norte-americano. Nos países da UE (União Européia), esse número fica em torno de 10 milhões anuais. A maioria desses animais são camundongos, ratos, coelhos. Os porquinhos-da-índia também são bastante utilizados -- tanto que a palavra cobaia é sinônimo desta espécie. Esses animais são empregados tanto em pesquisas científicas e no ensino de universidades, quanto em testes de produtos, como cosméticos e remédios.

Ego

Mesmo na comunidade científica, há quem seja contra a prática. É o caso da médica cardiologista Odete Magalhães, professora da Faculdade de Medicina do ABC, na Grande São Paulo. Segundo ela, grande parte das pesquisas é realizada para massagear o ego de cientistas --que precisam "aparecer" com novas descobertas-- ou as necessidades dos grandes laboratórios. O bem estar da população, e dos animais, ficaria em segundo plano. "As pesquisas andam por um caminho próprio, que muitas vezes não está relacionado às necessidades da população. É apenas conhecimento pelo conhecimento", diz a professora. Ela complementa: "Não é ético matar um ser vivo em benefício de outra população. Não fazemos isso com nossos próprios pares [os humanos]".

Entretanto, grande parte dos cientistas reafirma a importância desse tipo de experiência para o desenvolvimento de métodos de cura para o homem."É uma técnica importantíssima, pois abre portas para o futuro. Provavelmente vai haver um dia em que nós poderemos desligar os genes que causam algumas doenças. Não há dúvida que [a descoberta dos vencedores do Nobel] gera ganhos", afirma Regina P. Markus, presidente da SBFTE (Sociedade Brasileira de Farmacologia e Terapêutica Experimental). Questionada sobre a hipótese de os cientistas agirem de forma antiética ao considerar as cobaias um meio para o conhecimento humano, Markus é taxativa: "O homem não é inferior nem superior. Mas é vencedor sobre a natureza, disso você não tenha dúvida".

Legislação

Markus ressalta, contudo, que é extremamente necessário estabelecer regras claras para esse uso, coisa que o Brasil ainda não tem de forma oficial. Isso porque não há uma lei federal específica que regulamente o uso de animais de laboratório. Um projeto de lei sobre o assunto tramita há 12 anos na Câmara dos Deputados, sem nunca ter entrado em votação.

Com isso, a função de estabelecer parâmetros para a prática fica a cargo das comissões de ética de universidades e instituições de pesquisa. Caso esses órgãos não tenham sido instituídos, as decisões cabem a cada cientista individualmente. Isso faz com que os conceitos sobre o tema sejam vagos, ainda que eles existam. O Cobea (Colégio Brasileiro de Experimentação Animal) é uma das instituições que estabelece as regras e limites para o uso dos bichos para pesquisas.

Dor

Entre as normas estabelecidas pela instituição está a aplicação de analgésicos ou anestesias que aliviem o desconforto das cobaias durante o procedimento. Elas também devem crescer e se desenvolver em ambientes seguros, limpos, com temperatura e umidade adequadas. Esses preceitos não servem apenas para conferir dignidade ao animal, mas também para garantir a exatidão da pesquisa. "A dor ou o estresse podem afetar o experimento. É preciso evitar isso para que os resultados sejam precisos", explica Marcel Frajblat, presidente do Cobea.

Apesar dos cuidados, ele admite que, em alguns casos, é impossível evitar que os animais sofram. Isso ocorre, por exemplo, em testes de cicatrização ou em procedimentos em que haja a necessidade de simular enfartos para analisar o processo de recuperação cardíaca. Caso os bichos sofram danos muito sérios durante as experiências, a instituição recomenda que eles sejam sacrificados por métodos indolores.

Segundo Frajblat, é também essencial que sejam feitos cálculos antes do início da pesquisa, para que se possa utilizar o menor número de bichos possível. "Tem que colocar na balança e avaliar os benefícios que aquele experimento pode trazer para a ciência e os possíveis danos causados aos animais", afirma. Deve-se analisar também a existência de métodos alternativos para a pesquisa. Entre os mais utilizados estão as experiências in vitro, em que os cientistas aplicam certas substâncias apenas sobre células, e não nas cobaias, e analisam os resultados.

Há também alternativas para a realização de testes de produtos, principalmente no setor de cosméticos. De acordo com o presidente do Cobea, há inclusive fabricantes de filtro solar que estão testando o produto diretamente em voluntários humanos. No setor de ensino já há uma redução considerável no número de cobaias utilizadas, que estão sendo trocadas por softwares que simulam situações de dissecação e processos cirúrgicos, por exemplo.


Fonte: Folha Online

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